quarta-feira, 30 de abril de 2008

Aprendizado


Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a raça de um adulto e não com a tristeza de uma criança. E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão. Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo. E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam... E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso. Aprende que falar pode aliviar dores emocionais (...)
William Shakespeare

terça-feira, 29 de abril de 2008

O legado de Lemann

Leia nesta página um trecho da reportagem de capa de Época NEGÓCIOS. O texto integral pode ser lido na edição de abril de 2008.

O que você pode e deve aprender com Jorge Paulo Lemann, fundador do Banco Garantia, e seus inseparáveis parceiros, Beto Sicupira e Marcel Telles. Juntos, eles ergueram um império de R$ 144 bilhões. Nesse processo, criaram uma cultura corporativa revolucionária

por Alexandre Teixeira, com Camila Hessel, colaborou Darcio Oliveira - REVISTA ÉPOCA NEGÓCIOS

EMPREENDEDOR Jorge Paulo Lemann em foto de 2005. O fundador do Garantia criou modelo de gestão único baseado na meritocracia


No fim do período letivo de 1957, como era costume na Escola Americana do Rio de Janeiro, os alunos reuniram-se para escolher os destaques do ano. Sempre em inglês, elegeram o mais amigável, o mais artístico, o mais fofo e assim por diante. Na categoria "Mo st likely to succeed" (algo como "com mais chances de ser bem-sucedido"), dois nomes foram lembrados. Um deles, "Jorge Lemann". Retratado no álbum da classe com pinta, topete e terninho de galã, Jorge Paulo Lemann, aos 17 anos de idade, é descrito como um dos dois veteranos que estudaram desde o jardim-de-infância na Escola Americana. "Embora aparente nunca estudar, ele sempre consegue boletins invejáveis - principalmente 'As' com uma pitada de 'Bs'", diz o Livro do Ano. Bom aluno sem fazer força, o jovem Lemann arrancava suspiros das colegas. "Ao longo dos anos, Jorge trabalhou duro para adquirir sua reputação como um sedutor - a ladies' man -, e, como verdadeiro brasileiro, seus interesses (além de tênis e pesca com arpão) são ir à praia e observar as pessoas - garotas, isso sim." Lemann era conhecido na escola por viajar muito ao exterior e por seus planos de fazer faculdade nos Estados Unidos, de preferência em Harvard. No fim daquele ano, os estudantes prepararam também a "Profecia da Turma", na qual tentavam prever como estariam seus colegas dentro de dez anos. Nela, lê-se o seguinte: "Ganhando manchetes no mundo dos esportes está Jorge Paulo Lemann, que recentemente venceu o Campeonato Mundial de Tênis de 1967. Jorge, que administra uma importante cadeia de fábricas de enlatados no Brasil, é atualmente casado com a Miss Universo de 1967". Poucas vezes uma brincadeira de adolescentes revelou-se tão premonitória.

Lemann chegou ao topo do ranking mundial de tênis por três vezes - embora na categoria veteranos. Foi cinco vezes campeão brasileiro e defendeu tanto o Brasil como a Suíça na Copa Davis. Nem sequer namorou a Miss Universo de 1967 - a americana Sylvia Louise Hitchcock -, mas casou-se duas vezes, com mulheres bonitas e elegantes: a psicanalista Maria de Santiago Dantas Quental, morta em abril de 2005, e a educadora suíça naturalizada brasileira Susanna Lemann, dona da agência de viagens Matueté. Com cada uma delas, teve dois filhos homens e uma filha mulher. Ele tampouco é dono de uma fábrica de enlatados, a não ser que a definição da categoria seja ampla o bastante para abarcar os bilhões de latas de cerveja e refrigerante que saem anualmente das linhas de produção sob seu controle. Mas, depois de se formar economista em Harvard, conforme planejado, chegou a uma altura no mundo dos negócios que mesmo seus colegas de Escola Americana não imaginariam.

Ao lado de Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, seus parceiros de negócios há mais de três décadas, Lemann detém 25% do capital da maior cervejaria do mundo, a InBev; é dono da holding Lasa, que reúne Lojas Americanas e Blockbuster; do grupo B2W, onde estão agrupadas as lojas virtuais Submarino, Americanas.com, Ingresso.com e o canal de televendas Shoptime; e da São Carlos Empreendimentos Imobiliários. Os três estão entre os principais acionistas da maior empresa de transporte e logística da América do Sul, a ALL, e, desde dezembro, têm uma fatia de 8,3% do capital da CSX, uma das maiores ferrovias dos Estados Unidos. Somadas, essas participações valem R$ 46,35 bilhões, o equivalente, por exemplo, ao valor de mercado da Companhia Siderúrgica Nacional. Lemann é hoje, aos 68 anos, a quinta pessoa mais rica do Brasil e a 172ª do mundo. Ele aparece, ainda, na lista dos mais ricos da Suíça - onde reside desde 1999, num subúrbio exclusivo de Zurique -, pouco atrás da herdeira grega Athina Onassis.

A cultura forjada no Garantia nos anos 70 chegou ao varejo com a compra da Lojas Americanas, em 1982, e à indústria pela aquisição da Brahma, a partir de 1989

Mais importante do que seu império e sua fortuna, para ele e para aqueles que se interessam por questões de gestão e liderança, é seu legado para o meio empresarial brasileiro. A cultura forjada por Lemann no Banco Garantia, a partir de meados da década de 70, chegou ao varejo, por meio da Lojas Americanas, comprada em 1982; à indústria, pela aquisição da Brahma, em 1989; influenciou virtualmente todos os bancos de investimento brasileiros e espalhou-se pelas mais de 30 empresas compradas até hoje pela GP Investimentos, fundada por Lemann, Sicupira e Telles. Da Gafisa ao Ig, passando pela Telemar.

Mais do que isso, a "cultura Garantia", baseada numa rígida meritocracia de resultados, numa preocupação obsessiva com a formação de líderes dentro de casa e com a transformação de funcionários em sócios, tornou-se referência para companhias tão afastadas da área de influência do lendário banco como Suzano e Gerdau. "O Jorge Paulo não é só um dos melhores gestores de empresas do Brasil. É um dos melhores do mundo", diz o industrial Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do conselho da Gerdau. "A única escola de administração que surgiu no Brasil na minha geração foi a do Lemann, do Garantia", afirma Francisco Gros, ex-presidente do BNDES e atual CEO da OGX, a empresa de petróleo e gás de Eike Batista. Antonio Maciel Neto, presidente da Suzano, costuma tirar alguns dias por ano para freqüentar cursos intensivos de administração em Harvard. Em fevereiro, recém-chegado de uma dessas temporadas, deu o seguinte depoimento: "Estudamos 15 cases das mais bem-sucedidas empresas do mundo. Em todos os tópicos de gestão abordados, eu sempre me lembrava do Lemann. Ele já havia feito no Brasil tudo aquilo que a escola pregava como as mais eficazes técnicas de administração".

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Ah é tão bom...


Hoje é sábado
pé de quiabo
amanhã é domingo
pé de cachimbo
o cachimbo é de ouro
que dá no besouro
o besouro é valente
que dá no tenente
tenente é mofino
que dá no menino
menino é chorão
que bate a bunda no chão.

Nossos milagres de cada dia...


É preciso correr riscos, dizia ele. Só entendemos direito o milagre da vida quando deixamos que o inesperado aconteça.
Todos os dias Deus nos dá – junto com o sol – um momento em que é possível mudar tudo que nos deixa infelizes. Todos os dias procuramos fingir que não percebemos este momento, que ele não existe, que hoje é igual a ontem e será igual a amanhã. Mas, quem presta atenção ao seu dia, descobre o instante mágico. Ele pode estar escondido na hora em que enfiamos a chave na porta pela manhã, no instante de silêncio logo após o jantar, nas mil e uma coisas que nos parecem iguais. Este momento existe – um momento em que toda a força das estrelas passa por nós, e nos permite fazer milagres.
A felicidade às vezes é uma bênção – mas geralmente é uma conquista. O instante mágico do dia nos ajuda a mudar, nos faz ir em busca de nossos sonhos. Vamos sofrer, vamos ter momentos difíceis, vamos enfrentar muitas desilusões – mas tudo é passageiro, e não deixa marcas. E, no futuro, podemos olhar para trás com orgulho e fé.
Pobre de quem teve medo de correr os riscos. Porque este talvez não se decepcione nunca, nem tenha desilusões, nem sofra como aqueles que têm um sonho a seguir. Mas quando olhar para trás – porque sempre olhamos para trás – vai escutar seu coração dizendo: “O que fizeste com os milagres que Deus semeou por teus dias? O que fizeste com os talentos que teu Mestre te confiou? Enterraste fundo em uma cova, porque tinhas medo de perdê-los. Então, esta é a tua herança: a certeza de que desperdiçaste tua vida.”
Pobre de quem escuta estas palavras. Porque então acreditará em milagres, mas os instantes mágicos da vida já terão passado.
Paulo Coelho - Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei

sábado, 26 de abril de 2008

O Gorro do Pintor


Por Lygia Fagundes Telles

Extraído do livro: A Disciplina do Amor



A cidade ficou na maior excitação com a chegada de Hortência Serena a declamadora. Fui correndo ver seu retrato de corpo inteiro, pregado numa cartolina na porta do clube: fiquei extasiada. Nunca tinha visto uma mulher assim tão grande, tão suntuosa no seu longo vestido preto e diadema, revirados os olhos para o céu, os braços pendidos na frente do corpo com as mãos fortemente entrelaçadas no gesto da Senhora das Dores na procissão da Paixão. O anúncio dizia que fora aplaudidíssima nos teatros de São Paulo, Rio e Lisboa, mas tia Ernestina franziu a boca desconfiada: se veio dar com os costados aqui é porque não presta...Reação enérgica da minha mãe, imagina, uma artista internacional!

Foi a primeira vez que ouvi a palavra internacional e que ficou para sempre ligada àquela noite em que Hortência Serena começou a recitar e de repente abriu os braços imensos e o vestido preto ( o mesmo do retrato) se abriu em duas enormes asas presos os panejamentos em argolas enfiadas nos dedinhos. Dedinhos, sim, as mãos gorduchas eram minúsculas como minúsculos eram os pés metidos em sapatinhos de cetim com fivelas de pérolas. No começos dos recitativos ( estávamos na primeira fila) sua figura me empolgou te tal forma que eu só olhava, mal ouvia o poema no qual ela imitava a voz do vento, soprando e rodopiando numa ventania tão forte que eu chegava a me encolher na cadeira, e se tivesse enlouquecido? Mas no número seguinte, já acostumada com as asas, só prestei atenção na história pungente do pintor que tinha um cachorro muito amado e amadíssimo gorro de veludo, presente da noiva que teria morrido, não estou muito certa do destino da moça. O gorro e o cão, eis os únicos bens do artista de vida duríssima, ainda não estava na moda investir em quadros no alto mercado dos capitais. Mas acontece que o pintor enriqueceu e com o poder e a glória vieram os vícios correlatos: deu de beber, ficou vaidoso, mesquinho. O coração, que era só brandura, endureceu tanto que até o cachorro passou a ser maltratado em meio das libações e orgias. Palavras que também aprendi nesse tempo. Numa noite de maior bebedeira, quando o mísero cachorro já velho e quase cego se aproximou abanando o rabo, sorrindo, o pintor teve a idéia: livrar-se do antigo amigo que o irritava com sua simples presença. Tomou-o pela coleira, vamos passear, querido? E atirou-o no rio. Mas no instante exato em que o perverso se inclinou para as águas, o gorro de veludo ( única lembrança da inocente juventude) é arrancado pelo vento e cai no rio juntamente com o cão. O pintor se enfurece: afinal, só por causa daquele mísero bicho ele perde sua preciosa relíquia! Volta para casa, deprimido, tenta dormir, não consegue, põe-se andar pelo casarão quando de repente ouve um estranho ruído lá fora, alguém como que batendo fracamente, chamando: quem seria àquelas horas?

A lágrimas que já corriam abundantes pela minha cara deram uma parada brusca no suspense que Hortência Serena fez render, estáticas mãos e asas abertas no ar_ quem?!...Silêncio. Um silêncio tão profundo que se ouviu o colchete de pressão do corpete da declamadora se abrir no susto. Abri a boca. O pintor abre a porta: na sua frente está o cachorro pingando água, tremendo, trazendo na boca o gorro de veludo. Aproxima-se ganindo muito doce ( nesse momento, minha mãe começou a me arrastar da sala), deposita-lhe aos pés o gorro amado e tomba redondamente morto. Na rua, apressadamente minha mãe me abraçou, me consolou, eu não podia chorar alto assim, não via então? Estava atrapalhando. Repetiu que tudo aquilo era bobagem, mentira e voltamos aos nosso lugares. Hortência Serena agradecia as últimas palmas com a soberba de uma rainha. Teria mesmo me fuzilado com um olhar azul de cólera ou foi impressão minha? Só sei que não a encarei mais até o fim da recitação.

No dia seguinte, quando minha mãe me mandou comprar os ingressos, li a novidade escrita com tinta ainda úmida na cartolina: proibida a entrada de crianças. Meu irmão, que não fora na véspera porque estava de castigo, deu um pontapé no cartaz, essa vacona! Mas eu fiquei quieta

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Lua adversa

Tenho fases, como a lua Fases de andar escondida, fases de vir para a rua... Perdição da minha vida! Perdição da vida minha! Tenho fases de ser tua, tenho outras de ser sozinha Fases que vão e que vêm, no secreto calendário que um astrólogo arbitrário inventou para meu uso. E roda a melancolia seu interminável fuso! Não me encontro com ninguém (tenho fases, como a lua...) No dia de alguém ser meu não é dia de eu ser sua... E, quando chega esse dia, o outro desapareceu... Cecília Meireles

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Uma flor selvagem


Por LYA LUFT


O amor é uma escultura que se faz sozinha. Uma flor inesperada sem estação do ano para surgir nem para morrer. Vai sendo esboçada assim ao léu: aqui a sobrancelha se arqueia, ali desce a curva do pescoço, a mão toca a ponta de um pé, no meio estende-se a floresta das mil seduções.
Imponderável como a obra de arte, o amor nem se define nem se enquadra: é cada vez outro, e novo, embora tão velho.
Intemporal. Planta selvagem, precisa de ar para desabrochar mas também se move nos vãos mais escuros, em ambientes sufocantes onde rebrilham os olhos malignos da traição ou da indiferença, e a culpa o pode matar.
O convívio é o exercício do amor na corda bamba. Os corpos se acomodam, as almas se espreitam, até se complementam. Mas pode-se cair no tédio – sem rede –, e bocejar olhando pela janela.
Inventamos receitas para que o amor melhore, perdure, se incendeie e renove... nem murche nem morra. Nenhuma funciona: ele foge de qualquer sensatez, como o perfume das maçãs escapa num cesto de vime tampado.
Se fôssemos sensatos haveríamos de procurar nem amar, amar pouco, amar menos, amar com hora marcada e limites.
Mas o amor, que nunca tem juízo, nos prega peças quando e onde menos esperamos.
Nunca nos sentimos tão inteiros como nesses primeiros tempos em que estamos fragmentados: tirados de nós mesmos e esvaziados de tudo o mais, plenos só do outro em nós.
Nos sentimos melhores, mais bonitos, andamos com mais elegância, amamos mais aos amigos, todo mundo foi perdoado, nosso coração é um barco para o qual até naufragar seria glorioso (ah, que naufrágios...).
Mais que isso, nesse castelo – como em qualquer castelo – não pode haver dois reis. Quem então cederá seu lugar, quem será sábio, quem se fará gueixa submissa ou servo feliz, para que o outro tome o lugar e se entronize e... reine?
A palavra “liberdade” teria de ser a mais presente, porém é a mais convidada a discretamente afastar-se e permitir que em seu lugar assuma o comando alguma subalterna: tolerância, resignação, doação, adaptação.
Rondando o fosso do castelo, a vilã de todas: a culpa.
Quem deixou sobre minha mesa um bilhete dizendo “Se você ama alguém, deixe-o livre” sabia das coisas, portanto sabia também o desafio que me lançava. No mundo das palavras há tantos artifícios quantas são as nossas contradições.
Por isso, conviver é tramar, trançar, largar, pegar, perder, e nunca definitivamente entender o que – se fôssemos um pouco sábios – deveríamos fazer.
Farsa, tragédia grega ou dramalhão mexicano, às vezes comédia de mau gosto, outras soneto perfeito: o amor, como as palavras, se disfarça em doces armadilhas ou lâminas mortais.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

O Tempo é Senhor de Tudo...então muitas vezes nos basta apenas caminhar com aquele sorriso largo no rosto e o coração aberto, porque tudo ainda está pra chegar.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Churrasquinho grego

Revista Galileu

Por Ricardo Bonalume Neto


No livro “Creta”, historiador britânico resgata uma das mais trágicas e desnecessárias batalhas da Segunda Guerra Mundial


A batalha pela ilha de Creta não foi apenas uma das mais furiosas da Segunda Guerra Mundial. Foi também uma das mais desnecessárias e trágicas.

O motivo fica claro no livro "Creta - Batalha e Resistência na Segunda Guerra Mundial, 1941-1945", do historiador britânico Antony Beevor. Ex-oficial de cavalaria do exército britânico, ele é autor de vários best sellers de história militar. Exemplos disso são as obras sobre as batalhas de Stalingrado e de Berlim.

Beevor consegue combinar com perfeição acontecimentos em vários níveis, de generais e estadistas traçando estratégias a soldados e marinheiros tentando sobreviver ao combate.

Os alemães liderados por Adolf Hitler tiveram que fazer duas intervenções em 1941 para salvar do desastre as forças militares de sua aliada incompetente, a Itália de Benito Mussolini. Os italianos haviam levado uma surra dos britânicos no norte da África e foram também vencidos pelos gregos em uma mal executada invasão.

Os britânicos reforçaram os gregos, mas foram de novo expulsos do continente pelos alemães, como em 1940 na França. Mantiveram a ilha de Creta. O território era importante para os britânicos protegerem sua navegação no Mediterrâneo. Para os alemães, seu valor estratégico era bem menor, mas isso não impediu que fizessem um feroz ataque com pára-quedistas. Como são tropas pouco armadas, os pára-quedistas sofreram perdas terríveis. Creta foi uma vitória de Pirro para os alemães, um desastre evitável para os britânicos e uma tragédia para os cretenses, que se viram obrigados a suportar a ocupação nazista.

Creta, de Antony Beevor.
Editora Record. 462 págs. R$ 55


ABSTRAÇÕES FÍSICAS PARA LEIGOS

Michio Kaku é um dos grandes divulgadores da física em atividade. Neste livro, ele toma para si a tarefa de apresentar ao leigo um dos mais abstratos e complexos campos de pesquisa, o que pondera sobre a existência de dimensões e universos paralelos ao nosso. Para introduzir essas idéias, conduz o leitor numa excursão por vários dos principais modelos e teorias adotados hoje. Sua formação como teórico lhe permite passear com desenvoltura pelos conceitos fundamentais da mecânica quântica, inflação, Big Bang, teorias de cordas e por aí vai. Ao mesmo tempo, especula sobre temas como o destino final do Universo, a possibilidade de vida alienígena e o debate sobre algum tipo de predeterminação na formação do Cosmo. Só por sua abrangência e clareza, o livro já constitui uma ótima introdução à história da física. Leia e viaje. (Pablo Nogueira)

Mundos Paralelos, de Michio Kaku.
Editora Rocco. 372 págs. R$ 55

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Sou meio Magali....

"Almejas voar mas temes ficar tonto?" (Goethe)"

quinta-feira, 17 de abril de 2008


...Quem carrega a alma no olhar nem sempre as palavras precisa usar....

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Das coisas mais simples...


Foi assim...simples...terno...quase como uma brisa refrescante após tanto tempo aprisionada com aquele sentimento de solidão... que Ele apareceu...hoje quando Ela para pra pensar não sabe bem dizer se Ele foi um anjo ou um demônio...mas foi anjo com certeza...porque a lembrança de instantes de uma felicidade tão pura, tão dela, ainda a fazem sorrir sozinha algumas vezes, a lembrança ficou como um tesouro particular que ajuda à afastar fantasmas em dias tristes.
Depois de um tempo que pareceu uma eternidade Ela estava novamente entre meninas alegres e despreocupadas, fechou os olhos, nem se lembrava mais como era aquela sensação. Estava em uma cidade que não era a sua, com amigas que também não eram suas até aquele dia, mas ali estavam cinco mulheres juntas, prontas a celebrar o aniversário de uma delas, tão absurdamente engraçadas e divertidas, os dias anteriores de lágrimas e tristeza pareciam ate sem sentido.
Compraram suas camisas para uma chopada que teria na cidade, foram pra casa e cada uma a sua moda cortou e amarrou de forma sensual e jovial, aí foi uma profusão de maquiagens, chapinhas, perfumes, cremes, troca- troca de sandálias e casacos, (a diversão para a maioria de nós com certeza começa exatamente nos preparativos que antecedem a qualquer festa ). Ela colocou sua jaqueta branca, e pintou um pouco os olhos, estava entusiasmada mas ainda um pouco deslocada. O dia estava feio e frio, por isso mesmo foram para a festa caminhando e falando besteiras engraçadas. Quando subiram as escadas do clube onde estava sendo realizado o evento, foram recebidas com assobios e palmas...entreolharam-se vermelhas pelo frio e pela recepção calorosa, sem entender nada, só porque eram de fora da cidade? mas a maioria ali também era... a vontade foi descer correndo, mas foram logo pegar o primeiro chopp...dai em diante tudo foi ficando mais fácil e mais divertido, a cada momento elas conheciam um grupo de pessoas diferentes, tanto homens quanto mulheres, em dado momento, quando todas já estavam pra lá do buraco de Sadam, bem depois de Bagdá, mas sem descer do salto 15...Ele se apresentou com mais dois amigos, cada qual com suas características bem distintas, super loiro, moreno e Ele...branquinho de cabelos escuros e olhos tristes, claro que naquele momento Ela não notou isso, estava distante demais da festa, preocupada mais uma vez com tudo que tinha deixado para trás...se afastou para respirar um pouco de ar puro, nem sabe dizer quanto tempo ficou sozinha até que as amigas vieram buscá-la com uma nova rodada de chopp, outras pessoas chegaram bateram papo e se foram...Ela com o celular na mão, naquele eterno dilema do liga ou não liga para alguém que está a 1355Km de distância (dados do guia turístico). Como diria sábia amiga, o celular deveria ter um bafômetro acoplado ao microfone, a fim de que gente alcoolizada não cometesse essas gafes de ligar para determinadas pessoas nesse estado...bem o orgulho, ou força de vontade falou mais alto, já que tinha decidido mudar o rumo da sua vida, tinha que ser firme...e então mais uma vez Ele se aproximou, suave como o vento que começava a soprar, o primeiro pensamento dela foi ser rude com Ele, mas vendo as amigas rindo e se divertindo, mudou de idéia...se deixou ficar ali apenas conversando, tentou ser simpática apesar da irritação que sentia, mas Ele tornou tudo mais fácil, Ele era tão fora daquela realidade...tão paciente e doce...ficaram assim muito tempo falando de amenidades. Até que todos do grupo se reuniram novamente.
Quando uma das amigas passou mal, Ele foi o mais atencioso, correu para socorrer mostrando seus conhecimentos como estudante de medicina, foi uma graça. Passado o susto, todas decidiram voltar pra casa, pois ainda teria um bolo surpresa para a aniversariante, as meninas convidaram os três rapazes para acompanha-las, Ele e os dois amigos, Ela ficou um pouco confusa, estava tudo acontecendo meio rápido, se sentia tonta, mas secretamente sentiu o coração dar um pulinho de alegria, que estranho. Voltaram pra casa novamente caminhando, Ela foi andando a frente do grupo conversando com Ele, enquanto o efeito do álcool ia passando em parte pela caminhada e pelo ar frio da noite que chegava. Notou que Ele era diferente do que imaginara a principio, não lhe parecia um dos estudantes depravados e de cabeça vazia, tinha um maravilhoso senso de humor e era educado e franco, assim como seus dois amigos, era um grupo singular aquele, pois pareciam inteiramente inofensivos e foi se formando um elo de amizade entre todos eles
A festinha surpresa foi sucesso total, as cinco com seus três novos amigos e ainda suas primas e tias, após se entupirem de brigadeiros e bolos e tirar fotos hilárias com chapeuzinho, elas foram convidadas para ir a uma nova festa, um rodeio...Ela ficou meio indecisa, achava injusto deixar toda bagunça pra tia arrumar sozinha e decidiu ficar em casa, Ele foi arrastado pelo grupo meio a contra gosto porque queria ficar com Ela...e acabou realmente ficando, um segundo depois Ele voltava e sorrindo dizia que preferia ficar lavando panela ao seu lado... foi estranhamente um momento único aquele, Ele com as mão cheias de sabão em meio ao caos da cozinha, sorrindo...foi ali que o coração dela começou a ceder...a quanto tempo ninguém fazia um gesto tão simples e bonito por Ela. Eles se deram as mãos e ficaram longo tempo conversando sentados nos degraus da varanda, Ele era ótimo ouvinte...tão carinhoso e divertido, pareciam amigos de longa data apesar daquele olhar faminto que por vezes Ele lhe lançava. O beijo aconteceu da forma mais natural, porque continuar a resistir se tudo nela gritava por aquele beijo...estava livre apesar de ainda não ter se habituado a isso, Ele fazia seu coração bater forte, segurava sua mão com uma ternura capaz de romper as barreiras a muito tempo erguidas...tinha aquele olhar que não precisava dizer muita coisa...e foi como se aquelas bocas sempre tivessem sido feitas para se beijarem...foi perfeito, intenso, doce e inesquecível.
Quando os outros voltaram, estavam entusiasmados e novamente alcoolizados, mas logo perceberam a nova cumplicidade que havia entre Ele e Ela...O rapazes foram embora, elas foram tentar dormir, mas não sem antes repassar todos os acontecimentos do dia, entre risos e falatórios acho que ninguém conseguiu dormir aquela noite. Ela então, tinha o coração em festa, tudo era de certa forma meio novo...um dia de redescobrir a si mesma, redescobrir seus poderes de sedução, achou que nem saberia mais com se faz...mas Ele trouxera tantas emoções a tona...com um beijo Ele fizera o seu coração reviver, e seu ego também estava em festa...mulheres são assim, precisam alimentar sua feminilidade.
O dia seguinte...Ah o dia seguinte foi uma agradável continuação do anterior, elas passaram o dia preguiçosamente deitadas tagarelando e no meio da tarde uma buzina na rua fez todas darem um salto...eram eles.... Quando Ele a viu, puxou- a para lhe dar um forte abraço...e o dia ate então, tão cinza e frio pareceu ficar azul e subitamente quente. Foram todos para praça da cidade tomar vinho e tocar violão, o vento gelado não tirava o entusiasmo, Ele apertava ela em seus braços, acariciava seus cabelos, seu rosto...tinha um toque tão dela que por vezes chegava a confundi-lá...Então a felicidade pode ser assim, pensou Ela, somente uma entrega sem medo, somente estar ali com um estranho tão íntimo que reconfortou seu coração quando nada a sua volta tinha significado. Todos voltaram para casa famintos, devoraram sanduíches na varanda, o frio havia aumentado, mas por alguma mágica, isso pouco importava, o grupo ficou ali conversando ate de madrugada, adiando ao máximo o momento da despedida...Quando a hora inevitável chegou, Ele cobriu o rosto dela com beijos até encontrar seus lábios ficaram assim um longo tempo e no dia seguinte Ela voltou para sua cidade. Nunca mais se viram, Ela era medrosa ainda, tinha medo de se apaixonar, falaram-se muito por telefone, trocam e-mails e ainda hoje Ele lhe manda mensagens nos dias festivos como no aniversário dela ou no natal.
Ele derrubou uma árvore plantando no lugar novas sementes, era assim que Ela se sentia pois jamais voltou a ser a mesma após aqueles dois dias, nem Ela mesma podia entender a força de tudo que sentira, um encontro tão simples e tão forte, muito tempo Ela ainda carregaria a sensação daqueles momentos...momentos que preparam seu coração para a chegada do grande amor que depois veio a conhecer... amor que ela então se permitiu viver.





segunda-feira, 14 de abril de 2008


Já dizia Vinicius... "A felicidade é como a pluma, que o vento vai levando pelo ar. Voa tão leve, mas tem a vida breve...Precisa que haja vento sem parar(...) Ah, felicidade é como a gota de orvalho, numa pétala de flor. Brilha tranquila, depois de leve oscila...E cai como uma lágrima de amor (...)"

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Dos nossos vícios...

Se é verdade que todas as pessoas tem um vício, o meu vício é a leitura. Tenho tanta paixão ao ler que muitas vezes a história se torna parte de mim, se mistura com tudo que sou e está impregnada em tudo que sinto...os personagens parecem estar no meu cotidiano e quando termino um livro, sinto falta da presença deles como se tivessem partido pra sempre.
No momento estou no livro 4 de As Brumas de Avalon, sempre ouvia falar sobre esse livro dizendo a mim mesma que tinha que ler, mas acabava caindo no esquecimento, só que recentemente terminei uma história que falava muito sobre a ilha de Avalon e não tive como escapar, a lembrança de que tinha que procurar por essa fantasia da escritora Marion Zimmer Bradley, se avivou, tomou conta de mim. Comecei a ler o primeiro livro e já estava faminta pelo segundo, hoje estou no quarto e último, me sentindo um tanto quanto saudosa, começo até a ler mais lentamente já prevendo a falta que irei sentir de personagens tão fantásticos e distantes da realidade.
Um dos relatos interessantes do livro fala sobre o intenso amor que Sir Lancelote sentia por seu rei Arthur, um amor tão forte que levou o mesmo a se questionar se todo sentimento de desejo e paixão que ele sentia pela rainha Gwenhwyfar não seria justificado justamente pelo fato da ligação direta dela aquele que era objeto de seu maior amor: o rei.
Agora aqui, parando para pensar sobre isso percebo que muitas vezes alguma coisa parecida a esse sentimento, acontece com nós mesmos...Tenho pessoas que nem mesmo conheço e já me são muito caras e queridas justamente pelo fato de fazerem parte e serem importantes na vida daqueles que amo tão fortemente...chega a ser engraçado, existem pessoas que estão tão distantes de mim...com uma distância digamos, que nunca poderá ser superada e que me fazem sentir ate certa tristeza por isso, pois são pessoas admiráveis, que se tornam admiráveis pela boca daqueles que amo. Sei com uma certeza estranha, que se não fossem determinadas circunstâncias, seriam pessoas queridas em minha vida. Então isso é real...é possível amar alguém que é amor daqueles que nos são mais caros...é possível você sentir-se ligado a pessoas que nunca estiveram contato com você através de laços tão simples de amor ...isso não é fantasia ou história, ou coisa de quem leu demais...isso é sentimento, daquele tipo que todo mundo sente mas que nem sempre para pra questionar e ver se é real.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Por não estarem distraídos



Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto.
No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.
Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.
Tudo, tudo por não estarem mais distraídos
Clarice Lispector

terça-feira, 8 de abril de 2008

Um Conto de Agatha Christie


O ESTRANHO CASO DE SIR ANDREW CARMICHAEL
(Extraído das anotações do Dr. Edward
Carstairs, ilustre psicólogo, já falecido.)


Sei perfeitamente que há duas maneiras distintas de encarar os curiosos e
trágicos acontecimentos que passo a registrar aqui. Quanto a mim,
pessoalmente, nunca mudei de opinião. Aconselharam-me a escrever toda a
história em detalhes e creio mesmo que a minha obrigação para com a ciência é
não permitir que fatos tão estranhos e inexplicáveis fiquem relegados ao
esquecimento.
Foi por intermédio do telegrama de um amigo, o Dr. Settle, que entrei
pela primeira vez em contato com o caso. Além de mencionar o nome
Carmichael, o telegrama não era nada explícito, mas tratei logo de pegar em
Paddington, o trem das 12h20m para Wolden, em Herefordshire.
O nome de Carmichael não me era estranho. Eu havia conhecido
ligeiramente o falecido Sir William Carmichael de Wolden, embora não o
tivesse mais visto durante os últimos onze anos. Sabia que tinha um filho, o
atual baronete, que já devia ser um rapaz de seus vinte e três anos. Lembravame
vagamente de certos boatos em torno do segundo casamento de Sir William,
mas a única idéia bem definida que guardava na memória era uma impressão
nada favorável da segunda. Lady Carmichael.
Settle estava me esperando na estação.
— Que bom você ter vindo — disse, apertando-me a mão.
— Não fiz mais que minha obrigação. Parece que o caso tem algo que ver
com a minha especialidade, não?
— Muito, por sinal.
— Trata-se de um problema psíquico, então? — arrisquei. — Que
apresenta aspectos fora do comum?
A essa altura já tínhamos recolhido a minha bagagem e estávamos
sentados num cabriolé, a caminho de Wolden, que distava cerca de cinco
quilômetros da estação. Settle demorou um pouco para responder. De repente
desabafou:
— Não dá pra entender essa história! Imagine você um rapaz de vinte e
três anos, completamente normal em todos os sentidos, o tipo do sujeito
simpático, amável, um pouquinho presunçoso, o que é explicável, sem nada de
excepcionalmente inteligente, talvez, mas, enfim, o verdadeiro protótipo do
jovem inglês de classe superior. Uma noite ele vai pra cama com a saúde de
sempre e no dia seguinte é encontrado perambulando pela aldeia, num estado
de semi-imbecilidade, incapaz de reconhecer as pessoas que lhe são mais caras e
próximas.
— Ah! — exclamei, entusiasmado. O caso prometia ser interessante. —
Perda total de memória? E isso aconteceu...
— Ontem de manhã. Nove de agosto.
— E não houve nada... nenhum choque que você saiba... pra explicar esse
estado?
— Nada.
Veio-me uma súbita suspeita.
— Você não está me escondendo alguma coisa?
— N... não.
A hesitação dele confirmou a minha suspeita.
— Eu preciso saber de tudo.
— Não tem nada que ver com o Andrew... é com... com a casa.
— Com a casa? — repeti, espantado.
— Você tem lidado muito com essa espécie de coisa, não é, Carstairs? Já
“testou” uma porção de casas supostamente “mal-assombradas”. Qual é a sua
opinião sobre o assunto?
— Em cada dez casos, nove são vigarices — respondi. — Só que o
décimo... bem, já deparei com fenômenos absolutamente inexplicáveis do ponto
de vista materialista comum. Eu acredito nas forças ocultas.
Settle concordou com a cabeça. Naquele momento acabávamos de cruzar
pelos portões do parque. Ele apontou o chicote para uma mansão branca e baixa
na encosta de um morro.
— Lá está a casa — disse. — Sabe... há qualquer coisa sinistra... horrível...
naquela casa. Todos nós sentimos... E olhe que eu não sou supersticioso, hem?
— Que tipo de assombração é? — perguntei. Ele olhou bem para a frente.
— Prefiro não lhe dizer nada. Sabe como é, se você... chegando aqui sem
prevenção nenhuma... e ignorando por completo a situação... também visse...
bem, aí...
— Sim — concordei, — tem razão, é melhor assim. Mas eu gostaria que
você me contasse mais coisas sobre a família.
— Sir William — disse Settle — casou duas vezes. O Andrew é filho da
primeira mulher. Faz nove anos que ele casou de novo e a atual Lady
Carmichael é meio misteriosa. Pode ser que seja inglesa, mas desconfio de que
tem sangue asiático.
Fez uma pausa.
— Settle — disse eu, — você não gosta de Lady Carmichael.
— Não gosto, não — confessou francamente. — Sempre me pareceu que
há qualquer coisa de sinistro em torno dela. Bem, mas como ia dizendo, a
segunda mulher deu à luz outro filho, também varão, que hoje está com. oito
anos. Sir William morreu há três anos e o Andrew herdou o título e a casa. A
madrasta e o irmão por parte de pai continuaram morando com ele aqui em
Wolden. Devo dizer a você que a propriedade se acha praticamente arruinada.
Quase toda a renda de Sir Andrew é gasta na sua manutenção. Sir William
deixou apenas algumas centenas de libras anuais para a esposa, mas o Andrew
felizmente sempre se entendeu bem com a madrasta e ficou encantado em
morar com ela. Ora...
— Sim?
— Dois meses atrás, o Andrew noivou com uma graça de moça, uma tal
de Miss Phyllis Patterson. — E, baixando a voz com um toque de emoção,
acrescentou: — Os dois deveriam casar no mês que vem. Ela está atualmente
hospedada aqui.. Imagine só a aflição dela...
Curvei a cabeça, calado.
Já estávamos perto da casa. À nossa direita, o gramado verde descia
suavemente pela encosta abaixo. De repente vi uma cena simplesmente
deslumbrante. Uma jovem subia o gramado em direção à casa. Não usava
chapéu e o sol realçava--lhe o brilho do glorioso cabelo dourado. Trazia uma
grande cesta de rosas na mão e um belo gato persa cinzento se enroscava
carinhosamente entre seus pés, quando caminhava.
Olhei para Settle com uma expressão interrogativa.
— Aquela é a Miss Patterson — disse ele.
— Coitada — comentei, — coitada. Que lindo quadro que ela faz com
aquelas rosas e aquele gato cinzento.
Ouvi um leve ruído e me virei rapidamente para o meu amigo. As rédeas
tinham-lhe escapado dos dedos e seu rosto estava completamente branco.
— Que foi? — exclamei.
Ele custou a se refazer.
— Nada — respondeu, — nada.
Ao cabo de alguns instantes chegamos e entrei atrás dele na sala verde de
visitas, onde o chá estava sendo servido.
Uma mulher já madura, mas ainda bonita, levantou-se e veio ao nosso
encontro de mão estendida.
— Este é o meu amigo Dr. Carstairs, Lady Carmichael.
Não saberia explicar a onda de repulsa instintiva que me invadiu ao
pegar a mão daquela mulher. Bonita e imponente, movia-se com uma graça
morena e langorosa que parecia confirmar as suspeitas de Settle sobre seu
possível sangue oriental.
— Foi muito gentil em vir, Dr. Carstairs — disse, com voz grave, musical,
— para tentar ajudar a resolver nosso grande problema.
Dei uma resposta trivial qualquer e ela me passou o chá.
Não demorou muito, a moça que eu tinha visto no gramado lá fora
entrou na sala. Não estava mais com o gato, mas ainda trazia a cesta de rosas na
mão. Settle nos apresentou e ela se adiantou, impulsivamente.
— Ah! Dr. Carstairs, o Dr. Settle nos falou tanto sobre o senhor. Tenho a
sensação de que poderá fazer alguma coisa pelo pobre do Andrew.
Miss Patterson, não há que negar, era lindíssima, embora fosse pálida e
tivesse fundas olheiras.
— Minha cara — disse, tranqüilizador, — não precisa ficar desesperada.
Esses casos de perda de memória, ou de dupla personalidade, quase sempre são
de curta duração. A qualquer momento o paciente pode recobrar o pleno uso de
suas faculdades mentais.
Ela sacudiu a cabeça.
— Não acredito que seja caso de dupla personalidade — disse. — Isso
não tem nada do Andrew. Não é a personalidade dele. Não é ele. Eu...
— Phyllis, querida — atalhou a voz suave de Lady Carmichael, — aqui
está o seu chá.
E qualquer coisa na expressão dos olhos dela ao pousarem na moça me
deram a certeza de que Lady Carmichael não gostava da futura nora.
Miss Patterson recusou o chá e eu, para amenizar o tom da conversa,
perguntei:
— O gatinho não vai ganhar um pouco de leite?
Ela me olhou de modo meio estranho.
— O... gatinho?
— É, o seu companheiro de poucos minutos atrás, no jardim...
Um estrondo me interrompeu. Lady Carmichael tinha virado a chaleira
do chá, derramado a água quente por todo o soalho. Enquanto eu fazia o que
podia para remediar a situação, Phyllis Patterson olhou para Settle com uma
expressão interrogativa. Ele se levantou.
— Você não quer ver o paciente agora, Carstairs?
Fui imediatamente atrás dele. Miss Patterson nos acompanhou. Subimos
a escada e Settle tirou uma chave do bolso.
— Às vezes ele tem a mania de sair perambulando por aí — explicou. —
Por isso em geral tranco a porta quando saio de casa.
Girou a chave na fechadura e nós entramos no quarto.
Havia um rapaz sentado junto à janela, onde os últimos raios de sol
caíam em cheio. Estava parado de uma maneira curiosa, meio curvado, com
todos os músculos relaxados. A princípio julguei que não tivesse percebido
nossa presença, mas de repente notei que, sob as pálpebras imóveis, nos
observava atentamente. Ao encontrarem os meus, seus olhos baixaram e
pestanejaram. Mas ele não se mexeu.
— Venha, Andrew — disse Settle, alegremente. — Miss Patterson e um
amigo meu vieram fazer uma visita a você.
Mas o rapaz sentado à janela se limitou a pestanejar. Pouco depois,
porém, vi que nos observava de novo — furtiva e dissimuladamente.
— Quer chá? — perguntou Settle, sempre em voz alta e alegre, como se
estivesse falando com uma criança.
Colocou na mesa uma xícara cheia de leite. Arqueei as sobranchelhas,
surpreso, e Settle sorriu.
— Engraçado — disse, — a única bebida que ele suporta é leite.
Não demorou muito, sem se apressar demais, Sir Andrew desenroscouse,
membro por membro, da posição encolhida em que estava e dirigiu-se
lentamente à mesa. De repente me dei conta de que seus movimentos eram
completamente silenciosos, que os pés não faziam barulho ao pisar no chão.
Assim que chegou à mesa, espreguiçou-se de uma maneira incrível, apoiandose
numa perna e espichando a outra para trás. Prolongou esse exercício ao
máximo, e depois bocejou. Nunca vi bocejo igual! Parecia que ia engolir a cara
inteira.
Aí então voltou sua atenção para o leite, debruçando-se sobre a mesa até
que os lábios tocassem na bebida.
Settle respondeu ao meu olhar de interrogação.
— Não quer saber de usar as mãos. Parece que regrediu a uma fase
primitiva. Que estranho, não é?
Senti que Phyllis Patterson se encolhia um pouco contra mim, e pouseilhe
a mão no braço, para tranqüilizá-la.
O leite por fim acabou e Andrew Carmichael espreguiçou-se mais uma
vez. Depois, com o mesmo passo absolutamente silencioso, voltou à poltrona da
janela, onde se sentou, agachado como antes, pestanejando para nós.
Miss Patterson puxou-nos para o corredor. Tremia dos pés à cabeça.
— Ah! Dr. Carstairs — exclamou. — Não é ele... esse negócio que está aí
dentro não é o Andrew! Eu sentiria... eu saberia.. .
Sacudi tristemente a cabeça.
— O cérebro é capaz das coisas mais estranhas, Miss Patterson.
Confesso que estava intrigado com o caso. Apresentava aspectos fora do
comum. Embora nunca tivesse visto antes o jovem Carmichael, havia qualquer
coisa na sua estranha maneira de caminhar e no modo como pestanejava que
me lembrava alguém ou algo que não conseguia definir direito.
Naquela noite o nosso jantar transcorreu calmamente, a conversa
correndo por conta de Lady Carmichael e de mim mesmo. Depois que as
mulheres se retiraram, Settle perguntou qual a impressão que eu havia tido da
minha anfitriã.
— Devo confessar — respondi, — que sem a menor causa ou motivo,
antipatizo solenemente com ela. Você tinha toda a razão, ela possui sangue
oriental e, a meu ver, acentuados poderes ocultos. É uma mulher de incrível
força magnética.
Settle parecia prestes a dizer alguma coisa, mas se conteve, limitando-se
a observar pouco depois:
— Ela vive praticamente só para o filho menor.
Em seguida ao jantar, fomos sentar de novo na sala verde de visitas.
Tínhamos terminado de tomar café e conversávamos meio cerimoniosamente
sobre os assuntos do dia, quando o gato se pôs a miar da maneira mais
comovente do lado de fora da porta, pedindo para entrar. Ninguém prestou a
mínima atenção e eu, como gosto muito de bichos, daí a pouco me levantei.
— Posso deixar o pobrezinho entrar? — perguntei a Lady Carmichael.
Tive a impressão de que estava com o rosto muito pálido, mas fez um
gesto com a cabeça que interpretei como uma aquiescência e então fui abrir a
porta. Mas encontrei o corredor totalmente deserto.
— Que estranho — comentei. — Seria capaz de jurar que tinha ouvido
um gato miar.
Ao voltar para o meu lugar, notei que todos me observavam
atentamente. Não sei por que, mas aquilo me deixou meio constrangido.
Recolhemo-nos cedo. Settle me acompanhou até o quarto.
— Tem tudo que você precisa? — perguntou, olhando em torno.
— Tenho sim, obrigado.
Mas ele se demorou ainda um pouco, sem jeito, como se quisesse tratar
de um assunto que não tivesse coragem de abordar.
— A propósito — comentei, — você não falou que havia qualquer coisa
de sinistro nesta casa? Por enquanto me parece perfeitamente normal.
— Acha que seja uma casa alegre?
— Bem, isso também não, devido às circunstâncias atuais. É óbvio que
está passando por uma grande dor. Mas quanto a qualquer influência anormal,
eu não hesitaria em lhe dar um atestado de saúde perfeita.
— Boa noite — retrucou Settle abruptamente. — E bons sonhos.
Sonhar, não há que negar que sonhei. O gato cinzento de Miss Patterson,
pelo visto, não me saía da idéia. Tive impressão de sonhar a noite inteira com o
maldito animal.
De repente acordei assustado e percebi o motivo por que não conseguia
esquecer o tal gato. O danado não parava de miar do lado de fora do meu
quarto. Impossível dormir com aquele alarido. Acendi a vela e fui abrir a porta.
Mas embora o miado persistisse, o corredor estava vazio. Ocorreu--me outra
idéia: “Vai ver que o infeliz ficou trancado nalgum canto e não pode sair.” O
fundo do corredor era à esquerda, onde se achava situado o quarto de Lady
Carmichael. Dirigi-me, portanto, para o lado oposto, mas mal tinha dado os
primeiros passos quando o barulho recomeçou atrás de mim. Virei-me
bruscamente e tornei a ouvir o mesmo miado, desta vez nitidamente à minha
direita.
Qualquer coisa, no mínimo alguma correnteza de ar no corredor, me
provocou um calafrio e voltei logo para meu quarto. Agora reinava ali o mais
absoluto silêncio e não tardei muito a pegar de novo no sono — para despertar
noutro dia glorioso de verão.
Enquanto me vestia, avistei da janela o perturbador do meu repouso
noturno. O gato cinzento deslizava lenta e furtivamente pelo gramado. Julguei
que fosse atacar um pequeno bando de passarinhos que trinava, alisando as
penas com o bico, a pouca distância.
Mas aí aconteceu uma coisa estranhíssima. O gato se aproximou e passou
direto pelo meio dos passarinhos, quase roçando o pelo contra eles — que nem
levantaram vôo. Não dava para entender — parecia absurdo.
Fiquei tão impressionado com o fato que não pude deixar de mencionálo
na mesa do café.
— A senhora sabe que tem um gato totalmente fora do comum?
Ouvi logo um tilintar de xícara contra o pires e notei que Phyllis
Patterson, de lábios entreabertos e respiração ofegante, me olhava fixamente.
Houve um silêncio momentâneo e depois Lady Carmichael, de um jeito
francamente antipático, respondeu:
— O senhor deve ter-se enganado. Aqui em casa não há gatos. Nunca
tive gato nenhum.
Era evidente que eu tinha metido os pés pelas mãos da pior maneira
possível, por isso me apressei a mudar de assunto.
Mas aquilo me deixou intrigado. Por que Lady Carmichael afirmava que
não havia nenhum gato na casa? Pertenceria, talvez, a Miss Patterson e a dona
da casa ignorava sua presença ali? Lady Carmichael era bem capaz de ter uma
dessas estranhas aversões por gatos, tão comuns hoje em dia. Não me parecia
uma explicação plausível, mas me vi forçado a me contentar provisoriamente
com ela.
Nosso paciente continuava no mesmo estado. Desta vez lhe fiz um
exame completo e pude analisá-lo mais minuciosamente do que na véspera. Por
minha sugestão, providenciou--se para que passasse a maior parte do tempo em
companhia da família. Com isso eu esperava não só dispor de uma
oportunidade melhor para observá-lo quando estivesse desprevenido, como
também que a rotina cotidiana normal pudesse avivar-lhe alguma centelha de
inteligência. Sua conduta, porém, permaneceu imutável. Andava sempre quieto
e dócil, parecia distraído, mas na realidade ficava sempre atento a tudo, de uma
maneira intensa e bastante sorrateira. Uma coisa certamente me surpreendeu —
a grande afeição que demonstrava pela madrasta. Ignorava Miss Patterson por
completo, mas sempre dava um jeito de se sentar bem perto de Lady
Carmichael, e uma vez o surpreendi esfregando a cabeça contra o ombro dela
numa muda manifestação de carinho.
Fiquei preocupado com o caso. Não podia deixar de sentir que havia
uma pista para tudo aquilo que, por enquanto, não atinava qual fosse.
— Que caso mais estranho — declarei a Settle.
— Sim — concordou, — é muito... sugestivo.
Olhou para mim — meio furtivamente, achei.
— Me diga uma coisa — continuou. — O Andrew... não lhe lembra
nada?
Essas palavras me causaram um efeito desagradável, me fazendo pensar
na impressão que tinha sentido na véspera.
— Me lembra, como? — perguntei.
Ele sacudiu a cabeça.
— Talvez seja imaginação minha — murmurou. — Pura imaginação.
E não quis mais tocar no assunto.
Havia um mistério impenetrável em torno do caso. Eu ainda continuava
obcecado pela sensação desconcertante de ter deixado escapar a pista que me
esclareceria tudo. E também havia mistério em torno de um ponto menos
importante. Refiro-me ao episódio insignificante do gato cinzento. Por um
motivo ou outro, aquilo já estava me dando nos nervos. Sonhava com gatos —
tinha a impressão constante de ouvi--los miar. De vez em quando via ao longe,
de relance, o belo animal. E o fato de existir algum mistério relacionado com ele
me irritava de uma forma insuportável. Uma tarde, cedendo a um impulso
súbito, recorri ao criado para obter a informação que me interessava.
— Você pode me dizer uma coisa sobre o gato que estou sempre vendo
por aí? — perguntei.
— Gato, doutor?
Parecia respeitosamente surpreso.
— Não havia... não há, aliás, um gato aqui na casa?
— A patroa já teve um gato, doutor. Um grande bichano de estimação.
Mas tivemos que dar fim nele. Uma pena pois era um belo animal.
— Um gato cinzento? — perguntei, cauteloso.
— Sim senhor. Persa.
— E você diz que ele foi destruído?
— Sim senhor.
— Tem absoluta certeza disso?
— Ah, absoluta, doutor! A patroa não quis mandar chamar o
veterinário... fez tudo sozinha. Faz pouco menos de uma semana. Foi
enterrado debaixo daquele pé de faia comum, doutor.
E retirou-se da sala, me deixando a sós com os meus pensamentos.
Por que Lady Carmichael afirmava tão categoricamente que nunca tinha
tido um gato?
Minha intuição me dizia que esse detalhe aparentemente sem
importância do gato era, de certo modo, significativo. Procurei Settle e levei-o
para um canto.
— Settle — disse. — Quero fazer-lhe uma pergunta. Você nunca viu ou
ouviu um gato aqui nesta casa?
Não pareceu surpreso com a pergunta. Eu até diria que já esperava por
ela.
— Ouvir, eu já ouvi — respondeu. — Mas nunca vi.
— Como? — exclamei. — E aquele primeiro dia, no gramado com Miss
Patterson?
Encarou-me bem firme.
— Eu vi Miss Patterson caminhando pelo gramado. Mais nada.
Comecei a compreender.
— Quer dizer então — retruquei, — que o gato...?
Ele confirmou com a cabeça.
— Eu queria ver se você... com o espírito desprevenido... ouviria o que
todos nós ouvimos...
— Ah, mas então vocês também ouvem os miados dele?
Ele confirmou de novo.
— Que estranho — murmurei, pensativo. — Jamais ouvi falar de um
gato fazendo assombrações.
Contei-lhe o que o criado tinha me informado. Ele manifestou-se
surpreso.
— Isso pra mim é novidade. Não sabia disso.
— Mas que sentido pode ter? — perguntei, desesperado.
Ele sacudiu a cabeça.
— Deus sabe lá! Mas lhe digo uma coisa, Carstairs... eu estou com medo.
Aquele... aquele miado tem um tom de... ameaça.
— Ameaça? — retruquei vivamente. — Para quem?
Ele espalmou as mãos.
— Como posso saber?
Foi só depois do jantar daquela noite que me dei conta do que ele queria
dizer. Estávamos sentados na sala verde, tal como na noite da minha chegada,
quando se ouviu — o miado forte, insistente, de um gato do lado de fora da
porta. Mas desta vez havia um traço inconfundível de cólera no seu tom — um
feroz uivo felino, prolongado e ameaçador. E por fim, quando cessou, o gancho
de metal do outro lado da porta foi sacudido violentamente como que por uma
pata.
Settle se levantou de um pulo.
— Juro que isso não é imaginação — exclamou.
Correu à porta e escancarou-a.
Não havia nada ali.
Voltou enxugando a testa. Phyllis estava pálida e trêmula, Lady
Carmichael branca como um cadáver. Só Andrew, feliz da vida, a cabeça
aninhada no colo da madrasta, parecia calmo e imperturbável.
Miss Patterson pousou a mão no meu braço quando subimos a escada.
— Ah, Dr. Carstairs! — exclamou. — Que será isso? Que significam todas
essas coisas?
— Por enquanto ainda não sabemos, minha filha — respondi. — Mas
pretendo descobrir. Não precisa ter medo. Estou convencido de que não há
nenhum perigo pessoal para você.
Ela me olhou, meio em dúvida.
— Acha que não?
— Tenho certeza — afirmei.
Lembrei-me da maneira carinhosa com que o gato cinzento havia-se
enroscado entre seus pés e não tive mais dúvidas. A ameaça não pairava sobre
ela.
Demorei um pouco a pegar no sono, mas por fim caí num cochilo
inquieto, do qual despertei com uma sensação de choque. Escutei um barulho
de arranhão, de estalo, como se estivessem arrancando ou rasgando
violentamente qualquer coisa. Saltei da cama e saí como uma bala para o
corredor. No mesmo instante Settle surgiu à porta do seu quarto, que ficava
defronte ao meu. O barulho vinha do meu lado esquerdo.
— Você está ouvindo, Carstairs? — exclamou ele. — Está ouvindo?
Corremos logo até a porta de Lady Carmichael. Não tinha passado nada
por nós, mas o barulho parou. Nossas velas se refletiam de leve nas brilhantes
almofadas da porta de Lady Carmichael. Entreolhamo-nos fixamente.
— Sabe o que era? — perguntou ele à meia-voz.
Acenei com a cabeça.
— As unhas de um gato puxando e rasgando alguma coisa.
Senti um calafrio. De repente soltei uma exclamação e baixei a vela que
estava segurando.
— Olhe isto aqui, Settle.
“Isto aqui” era uma cadeira encostada à parede — cujo assento tinha sido
puxado e rasgado em longas tiras...
Nós a examinamos minuciosamente. Ele olhou para mim e confirmei
com a cabeça.
— Unhas de gato — disse ele, respirando com veemência. —
Inconfundíveis. — Virou-se da cadeira para a porta fechada. — Eis aí a pessoa
que está ameaçada: Lady Carmichael!
Não consegui dormir mais naquela noite. As coisas tinham chegado a tal
ponto que era preciso fazer algo. Para mim, só existia uma pessoa de posse da
chave da situação. Desconfiei que Lady Carmichael soubesse mais do que
pretendia.
Ela estava mortalmente pálida quando desceu no outro dia de manhã e
mal tocou na comida que tinha no prato. Eu seria capaz de garantir que só uma
vontade de ferro a mantinha em pé. Depois do café, pedi para lhe falar em
particular. Fui direto ao assunto.
— Lady Carmichael — comecei. — Tenho motivos para crer que a
senhora corre um perigo gravíssimo.
— Não brinque — retrucou, com maravilhosa despreocupação.
— Nesta casa — continuei, — existe uma Coisa... uma Presença... que lhe
é francamente hostil.
— Que bobagem — murmurou, com desdém. — Como se eu fosse
acreditar numa asneira dessas.
— Na noite passada — frisei secamente, — a cadeira diante da sua porta
ficou reduzida a frangalhos.
— É mesmo? — Arqueou as sobrancelhas, fingindo-se surpresa, mas
percebi que aquilo não era novidade para ela. — No mínimo, alguma
brincadeira de mau gosto.
— Nada disso — protestei, com certa ênfase. — E quero que a senhora
me conte... para o seu próprio bem... — Parei.
— Conte o quê? — perguntou-me.
— Tudo o que possa esclarecer esse assunto — disse, bem sério.
Ela riu.
— Não sei de nada — afirmou. — Absolutamente nada.
E nem advertindo-a do perigo que corria consegui fazê-la mudar de
atitude. No entanto estava convencido de que ela sabia realmente muito mais
do que qualquer um de nós, e de que possuía uma pista que ignorávamos por
completo. Mas percebi que era totalmente impossível obrigá-la a falar. Resolvi,
porém, tomar todas as precauções a meu alcance, pois tinha certeza de que
Lady Carmichael estava ameaçada por um perigo real e imediato. Antes que se
recolhesse na noite seguinte, Settle e eu passamos uma vistoria rigorosa em seu
quarto. E combinamos nos revezar para ficar cuidando do corredor.
Eu me encarreguei do primeiro turno, que transcorreu sem incidentes, e
às três horas Settle me substituiu. Sentia-me cansado depois da noite insone da
véspera e peguei logo no sono. E tive um sonho curioso.
Sonhei que o gato cinzento estava sentado ao pé da minha cama, com os
olhos fixos nos meus, num estranho ar de súplica. Aí, com a facilidade dos
sonhos, percebi que ele queria que eu saísse atrás dele. Saí, e ele foi na frente,
descendo a grande escadaria e tomando a direção da ala oposta da casa, até
chegar a uma sala que era evidentemente a biblioteca. Parou ali num canto e
ergueu as patas dianteiras, pousando-as numa das prateleiras de livros mais
baixas, enquanto me fixava de novo aquele olhar comovente de súplica.
Depois o gato e a biblioteca sumiram e eu acordei, descobrindo que já
havia amanhecido.
A vigília de Settle também transcorrera sem incidentes, mas ele se
mostrou interessadíssimo quando lhe contei o sonho. Pedi que me levasse à
biblioteca, que coincidia nos mínimos detalhes com a visão que havia tido dela.
Pude inclusive indicar o lugar exato em que o animal tinha-me lançado aquele
último olhar de tristeza.
Ficamos parados ali em muda perplexidade. De repente me veio uma
idéia e me curvei para ler os títulos dos livros no canto que já mencionei. Notei
a existência de uma brecha entre os volumes.
— Tiraram um livro daqui — declarei a Settle.
Ele também se curvou para a prateleira.
— Olhe só — disse ele. — Aqui atrás há um prego que arrancou um
pedaço do volume que falta.
Destacou com cuidado o pedacinho de papel. Não tinha mais que uns
três centímetros quadrados — mas trazia impresso duas palavras muito
significativas: “O gato...”
Entreolhamo-nos.
— Este negócio já está me dando arrepios — disse Settle. — É a coisa
mais sinistra que vi em toda a minha vida.
— Eu só queria saber que livro é esse que está faltando aqui. Você acha
que existe meio de descobrir?
— Talvez haja um catálogo por aí. Quem sabe se Lady Carmichael...
Sacudi a cabeça.
— Lady Carmichael não nos dirá nada.
— Acha que não?
— Tenho certeza. Enquanto a gente fica tentando adivinhar, tateando no
escuro, Lady Carmichael sabe. E pelo jeito tem motivos pessoais para continuar
calada. Prefere correr o pior dos riscos a romper o silêncio.
O dia se passou numa monotonia que me fez lembrar a calmaria antes da
tempestade. E tive a estranha sensação de que o problema estava em vias de ser
solucionado. Continuava tateando no escuro, mas em breve poderia enxergar.
Os fatos estavam todos ali, prontos, à espera do pequeno clarão de luz que os
ligasse entre si, revelando seu significado.
E ele de fato veio! Da maneira mais estranha!
Foi quando nos achávamos todos reunidos na sala verde, como sempre,
depois do jantar. Quase ninguém abria a boca para falar. O ambiente estava tão
quieto mesmo, que de repente um ratinho passou correndo pelo soalho — e
num segundo a coisa aconteceu.
Com um pulo enorme, Andrew Carmichael saltou da cadeira. Seu corpo
inseguro partiu como uma flecha no encalço do rato, que tinha desaparecido
atrás do lambril, e ficou agachado ali — à espreita — trêmulo de expectativa.
Foi medonho! Jamais passei por outro momento tão paralisante como
aquele. Não tive mais dúvidas quanto ao que Andrew Carmichael me lembrava
com seus passos furtivos e olhares atentos. E como um raio, me veio a
explicação, violenta, incrível, inconcebível. Rejeitei-a como inadmissível,
inimaginável! Mas não pude tirá-la da idéia.
Não me lembro direito do que aconteceu depois. Tudo parecia confuso e
irreal. Só sei que conseguimos subir a escada e trocar nossos boas-noites
rapidamente, quase com medo de nos olharmos nos olhos, para não enxergar
neles alguma confirmação de nossos próprios temores.
Settle postou-se diante da porta de Lady Carmichael para cumprir o
primeiro turno da vigília, ficando combinado que me chamaria às três da
madrugada. Não era por Lady Carmichael que eu receava agora: estava
ocupado demais com aquela minha teoria fantástica, inadmissível. Dizia a mim
mesmo que era impossível — mas não podia tirá-la da idéia, fascinado.
E aí então, de repente, um grito estremeceu a quietude da noite: a voz de
Settle, me chamando. Saí para o corredor como uma bala.
Ele martelava e batia com força na porta de Lady Carmichael.
— Diabo que a carregue! — exclamou. — Ela se trancou por dentro!
— Mas...
— O troço está aí dentro, rapaz! Aí com ela! Não está ouvindo?
Detrás da porta trancada vinha o miado feroz, prolongado, de um gato. E
logo em seguida um grito horrível — e depois outro... Reconheci a voz de Lady
Carmichael.
— A porta! — berrei. — Temos que arrombá-la. Daqui a pouco será tarde
demais.
Metemos os ombros contra ela, e empurramos com toda a força. Deu um
estrondo — e quase caímos dentro do quarto.
Lady Carmichael jazia na cama, banhada em sangue. Poucas vezes vi
quadro mais horrendo. O coração ainda batia, mas os ferimentos eram terríveis,
pois a pele da garganta estava toda arrancada e dilacerada... Horrorizado,
murmurei: — “As unhas...” — E me passou um calafrio de terror supersticioso
pela espinha.
Fiz os curativos e apliquei as ataduras com o máximo cuidado, sugerindo
a Settle que seria melhor guardar segredo sobre a origem exata dos ferimentos,
principalmente com Miss Patterson. Redigi um telegrama, mandando chamar
uma enfermeira do hospital, para ser remetido assim que abrisse a agência de
telégrafo local.
A luz do dia já vinha entrando pela janela. Olhei para o gramado lá
embaixo.
— Vá se vestir que temos que sair — disse abruptamente a Settle. —
Lady Carmichael já se encontra fora de perigo.
Ele se aprontou logo e fomos juntos ao jardim.
— Que vai fazer?
— Desenterrar o cadáver do gato — respondi, lacônico. — Preciso me
certificar...
Encontrei uma pá num galpão de ferramentas e começamos a escavar
debaixo do grande pé de faia comum. Por fim, nossos esforços foram
recompensados. Não era um trabalho agradável. Já fazia uma semana que o
animal tinha morrido. Mas vi o que queria ver.
— Este é o gato — disse. — O mesmo que vi no primeiro dia que cheguei
aqui.
Settle cheirou. Ainda dava para sentir um aroma penetrante de
amêndoas.
— Ácido prússico — constatou.
Confirmei com a cabeça.
— Em que você está pensando? — me perguntou, curioso.
— Na mesma coisa que você!
Minha suposição não constituía novidade para ele — percebi logo que
também já lhe tinha passado pela idéia.
— É impossível — murmurou. — Impossível! Isso contradiz toda a
ciência... a ordem natural das coisas... — Calou-se, estremecendo. — Aquele
rato ontem à noite — disse. — Mas... ah, não pode ser!
— Lady Carmichael é uma mulher estranhíssima. Possui poderes
ocultos... hipnóticos. Seus antepassados vieram do Oriente. Como saber o uso
que terá feito desses poderes com uma pessoa de índole vulnerável e afetuosa
como Andrew Carmichael? E não esqueça, Settle, que se ele ficar sendo um
irremediável débil mental, dependente dela, todos os seus bens passam
praticamente às mãos de Lady Carmichael e do filho... que, segundo você me
disse, ela adora. E o Andrew ia casar!
— Mas, que vamos fazer, Carstairs?
— Nada — respondi. — A não ser nos interpor entre Lady Carmichael e
a vingança.
Lady Carmichael melhorou aos poucos. Os ferimentos cicatrizaram tão
bem quanto se poderia esperar — mas provavelmente ficaria com as marcas
daquela terrível agressão para o resto da vida.
Nunca me senti mais desarmado. A força que nos havia derrotado
continuava à solta, incólume, e embora de momento inativa, sabíamos que não
podia estar fazendo outra coisa senão aguardando uma boa oportunidade.
Decidi tomar uma providência. Assim que Lady Carmichael se sentisse
suficientemente bem para ser removida, teria que ser levada para longe de
Wolden. Talvez houvesse uma chance de que aquela terrível manifestação não
pudesse segui-la. De modo que o tempo foi passando.
Marquei a data de 18 de setembro para a remoção de Lady Carmichael.
Na manhã do dia 14 surgiu uma crise imprevista.
Eu estava na biblioteca comentando com Settle os detalhes do caso
quando uma criada entrou, às pressas, agitada.
— Ah, doutor! — exclamou. — Venha logo! O Mr. Andrew... ele caiu no
lago. Tropeçou dentro do barco, que começou a balançar, perdeu o equilíbrio e
caiu! Eu vi tudo lá da janela.
Não quis saber de mais nada. Saí correndo da sala, seguido por Settle.
Phyllis estava perto da porta e tinha escutado a história da criada. Correu junto
conosco.
— Não precisam ter medo — gritou. — O Andrew nada muito bem.
Mas eu estava com maus pressentimentos e me apressei ainda mais. A
superfície do lago parecia um espelho. O barco vazio flutuava, indolente — mas
nem sinal de Andrew.
Settle tirou o paletó e as botas.
— Vou mergulhar — disse. — Você pegue a vara do outro barco e
comece a sondar. Não é muito fundo.
O tempo deu impressão de passar tremendamente lento enquanto
procurávamos em vão. Por fim, quando já estávamos perdendo as esperanças,
encontramos o corpo aparentemente sem vida, de Andrew Carmichael e o
levamos para a margem.
Jamais poderei esquecer a expressão angustiada do rosto de Phyllis.
— Ele não... não... — Seus lábios se recusaram a articular a terrível
palavra.
— Não, não, minha filha — exclamei. — Não tenha medo. Nós já vamos
fazê-lo recuperar os sentidos.
Mas no íntimo tinha poucas esperanças. Ele tinha ficado meia hora
debaixo d’água. Mandei Settle buscar cobertas quentes e outras coisas
necessárias na casa, e comecei a aplicar a respiração artificial.
Trabalhamos energicamente por mais de uma hora, mas ele não dava
sinais de vida. Pedi para Settle ocupar meu lugar e me aproximei de Phyllis.
— Acho que não vai adiantar — disse-lhe delicadamente. — Não
podemos fazer nada pelo Andrew.
Ela ficou um instante totalmente imóvel e aí, de repente, se jogou de
joelhos para o corpo inanimado.
— Andrew! — bradou, desesperada. — Andrew! Volte pra mim!
Andrew... volte... volte!
A voz ecoou no silêncio. Subitamente toquei no braço de Settle.
— Olhe! — disse eu.
Um leve indício de cor tinha surgido no rosto do afogado. Auscultei-lhe
o coração.
— Continue com a respiração — exclamei. — Ele está voltando a si!
Agora os segundos pareciam voar. Num período de tempo
maravilhosamente curto, os olhos dele se abriram.
Foi então que, bruscamente, percebi a diferença. Aqueles ali eram olhos
inteligentes, humanos...
Pousaram em Phyllis.
— Oi, Phil — murmurou, quase sem forças. — É você? Pensei que só
fosse chegar amanhã.
Ela ainda não se animava a falar, mas sorriu-lhe. Ele olhou em torno,
cada vez mais espantado.
— Mas, escute aqui, onde é que eu estou? E... como me sinto mal! Que
me aconteceu? Olá, Dr. Settle!
— Você quase se afogou... foi isso que lhe aconteceu — explicou Settle,
carrancudo.
Sir Andrew fez uma careta.
— Sempre ouvi dizer que a sensação depois era medonha! Mas como
vim parar aqui? Algum ataque de sonambulismo?
Settle sacudiu a cabeça.
— Temos que levá-lo para casa — disse eu, dando um passo à frente.
Ele me olhou fixamente e Phyllis me apresentou.
— O Dr. Carstairs, que está hospedado aqui.
Nós o levantamos e nos dirigimos à casa. De repente ergueu a cabeça,
como se lhe tivesse ocorrido uma idéia.
— Escute aqui, doutor, isto não vai me atrapalhar pro dia doze, vai?
— Dia doze? — retruquei, hesitante, — você quer dizer doze de agosto?
— É... sexta-feira que vem.
— Hoje é quatorze de setembro — disse Settle bruscamente.
O espanto dele era flagrante.
— Mas... mas eu pensava que fosse oito de agosto?! Então devo ter
andado doente?
— Sim — atalhou logo Phyllis, com aquela voz suave, — você esteve
muito doente.
Ele franziu a testa.
— Não posso entender. Ontem à noite, quando fui dormir, me sentia
perfeitamente bem... só que não foi ontem, lógico. Mas tive um sonho. Eu me
lembro que sonhei... — A testa se franziu ainda mais, enquanto ele puxava pela
memória. — Uma coisa... o que era mesmo?... uma coisa horrível... que alguém
tinha feito pra mim... e fiquei furioso... desesperado... E então sonhei que era
um gato... é, um gato! Engraçado, não é? Mas o sonho não foi nada engraçado.
Foi mais... medonho! Só que não consigo me lembrar direito. Mal começo a
pensar, tudo se vai.
Pus a mão no seu ombro.
— Não procure pensar, Sir Andrew — aconselhei gravemente. —
Contente-se em... esquecer.
Olhou-me intrigado e concordou com a cabeça. Ouvi Phyllis soltar um
suspiro de alívio. Tínhamos chegado à casa.
— Por falar nisso — perguntou Sir Andrew de repente, — onde está
minha mãe?
— Ela tem andado... doente — respondeu Phyllis, depois de uma
pequena pausa.
— Ah! Coitada! — A voz revelava autêntica preocupação. — Onde está
ela? Lá no quarto?
— É — disse eu, — mas é melhor não ir pertur...
As palavras me morreram na boca. A porta da sala de visitas se abriu e
Lady Carmichael, envolta num roupão, surgiu no vestíbulo.
Fixou os olhos em Andrew e, se algum dia já vi um olhar de terror
absoluto, carregado de culpa, foi o dela. Seu rosto nem parecia humano de tão
apavorado que estava. Pôs a mão na garganta.
Andrew se adiantou para ela, com expansividade infantil.
— Olá, mãe! Então, também andou doente? Puxa vida, que pena que me
dá.
Ela recuou, arregalando os olhos. Aí, de repente, com o grito lancinante
de uma alma penada, caiu de costas pela porta aberta.
Corri e me debrucei sobre ela, e depois fiz sinal para Settle se aproximar.
— Não diga nada — pedi. — Leve-o discretamente lá para cima e volte
aqui. Lady Carmichael está morta.
Ele desceu em questão de minutos.
— Que foi? — perguntou. — De que ela morreu?
— De susto — respondi, implacável. — Do susto de ver Andrew
Carmichael, o verdadeiro Andrew Carmichael, novamente vivo! Ou talvez você,
como eu, prefira interpretar como um castigo divino!
— Quer dizer... — Hesitou.
Olhei-o bem nos olhos para que compreendesse.
— Uma vida em troca de outra — expliquei, de modo significativo.
— Mas...
— Sim, eu sei que um acidente estranho e imprevisto permitiu que o
espírito de Andrew Carmichael voltasse ao seu corpo. O que não impede que
Andrew Carmichael tenha sido assassinado.
Ele me olhou, meio a medo.
— Com ácido prússico? — perguntou em voz baixa.
— É — respondi, — com ácido prússico.
Settle e eu nunca divulgamos nossa opinião sobre o caso. Duvido muito
que alguém fosse acreditar. Segundo o ponto de vista ortodoxo, Andrew
Carmichael teve simplesmente um ataque de amnésia, Lady Carmichael feriu a
própria garganta num acesso de loucura passageira e a aparição do Gato Cinzento
foi mera imaginação.
Mas existem dois fatos a meu ver incontestáveis. Um é a cadeira rasgada
no corredor. O outro é ainda mais significativo. Encontrou-se um catálogo da
biblioteca que, depois de busca exaustiva, provou que o volume desaparecido
era uma obra antiga e curiosa sobre as possibilidades da metamorfose de seres
humanos em animais!
Mais uma coisa. Folgo em dizer que Andrew não sabe de nada. Phyllis
guardou o segredo daquelas semanas no fundo do seu coração e tenho certeza
de que jamais irá revelá-lo ao marido que tanto ama e que voltou à vida
atendendo ao apelo da voz dela.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Tenho tanto sentimento

Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

FERNANDO PESSOA



quarta-feira, 2 de abril de 2008

Há um Darth Vader dentro de você?



Pablo Nogueira

Revista Galileu





Fábrica de Quadrinhos


A traumática experiência do Holocausto foi um estímulo poderoso para as pesquisas sobre o lado destrutivo do ser humano. Terminada a guerra, muitos dos carrascos nazistas se justificaram dizendo que estavam cumprindo ordens, e que se desobedecessem teriam sido mortos.

Nos anos 1960 o psicólogo americano Stanley Milgram se perguntou se cidadãos comuns, instigados por alguma forma de autoridade, também teriam a capacidade de infligir dor e sofrimento a pessoas que nunca lhes fizeram mal. Para avaliar a possibilidade, criou em 1961 um experimento onde uma cobaia recebia ordens para dar choques elétricos cada vez maiores numa falsa vítima, sendo que a intensidade do choque mais forte seria teoricamente capaz de matar (veja descrição na página anterior). Milgram pediu a 40 colegas psiquiatras que estimassem o porcentual de indivíduos que chegaria a aplicar choques potencialmente fatais. Os psiquiatras apostaram que menos de 1% seria capaz de agir de forma tão sádica. Mas os resultados iniciais mostraram que 65% das cobaias obedeciam até o fim.

Outro experimento famoso foi feito também nos Estados Unidos em 1971. O psicólogo Philip Zimbardo recriou o ambiente de uma prisão no seu laboratório de psicologia, e designou 24 jovens escolhidos aleatoriamente para conviverem lá por duas semanas como guardas e prisioneiros. O resultado foi uma explosão de opressão que levou o experimento, previsto para durar 15 dias, a ser interrompido no sexto.

O mal e Abu Graib
O que experimentos como esses nos ensinaram? Arthur Miller, psicólogo da Universidade Miami e organizador do livro "The Social Psychology of Good and Evil" (A Psicologia Social do Bem e do Mal) explica que a visão dominante na psicologia social leva em conta os contextos sociais. Existe uma minoria de indivíduos psicopatas, destrutivos no mais alto grau e cujo comportamento não revela empatia ou compaixão. Mas as pessoas chamadas normais podem causar (e causam) grandes danos, influenciadas por outras pessoas e por certas circunstâncias. "Um exemplo clássico é o da Alemanha antes do nazismo, que convivia com desemprego, pobreza e devastação. Mas há vários casos onde pessoas procuram sair de situações difíceis em suas vidas retaliando, mentindo, arranjando bodes expiatórios", compara.

Dois fatores reforçam a força das circunstâncias. O primeiro é a visão de que a vítima pertence a um grupo diferente. "Quase todas as formas de preconceito e hostilidade vêm daí", diz Miller. O segundo é a hierarquia. "As pessoas na posição mais baixa percebem violações éticas no seu ambiente de trabalho, mas temem ser punidas se denunciarem o que vêem. A tendência é imitar seus pares e obedecer às autoridades, e com o tempo seu comportamento pode se tornar danoso ou corrupto."

Ele ressalta que essa visão é importante porque muitas vezes as autoridades preferem apontar culpados a realizar mudanças estruturais. "Quando se denunciou a tortura na prisão de Abu Graib, no Iraque, os políticos disseram que o problema se limitava a alguns guardas. Mas Zimbardo veio a público lembrar que algo sistêmico nas prisões faz com que até os bons guardas ajam como sádicos", analisa

Para o psicólogo David Buss, a chave está na teoria da evolução. A fim de sobreviver e se reproduzir, o Homo sapiens criou duas estratégias. Uma é aperfeiçoar as habilidades que garantem mais acesso a recursos (tornar-se mais forte, mais atraente etc.). A outra é diminuir as chances de sobrevivência e reprodução dos seus rivais, o que Buss chama de "impor custos adaptativos". Essa segunda estratégia explicaria os comportamentos de maus. Por exemplo, denegrir a reputação de alguém teria o efeito de reduzir o acesso da vítima às benesses de um status social alto.

Dentre os atos que impõem custos adaptativos elevados, o assassinato seria o mais custoso de todos. Este aliás é o tema do novo livro de Buss, intitulado "Por que a Mente É Projetada para Matar". "A capacidade de matar é parte da natureza humana, e todos têm o potencial para agir assim em certas circunstâncias", disse Buss a Galileu. "Mas enquanto algumas pessoas a consideram uma medida extrema, outras a usam para subir na hierarquia, adquirir recursos e acesso a mulheres de alto valor reprodutivo", diz. "É abominável, mas funciona".

Gente diferente
Já o psiquiatra americano Michael Stone se tornou reconhecido por estudar as biografias de 498 pessoas realmente más, de Hitler, Pol Pot e Stalin a Charles Manson e Andrei Chikatilo, famoso serial killer canibal. Stone criou uma pioneira escala de maldade, com 22 itens onde agrupava alguns dos malfeitores. "No caso dos tiranos, a maior parte foi espancada e negligenciada em casa. O mal que fizeram foi uma vingança à crueldade a que foram expostos."

Mas há outras causas. "O ambiente não explica tudo. O irmão de Hitler também era espancado, mas nunca cometeu um crime", conta Stone. "Muitos serial killers vêm de famílias normais. São raros, mas existem", diz. O médico Renato Zamora, do Laboratório de Genética do Comportamento da UFRGS, estuda a biologia de pessoas muito violentas. "O cérebro delas funciona de forma diferente", diz. Zamora cita como evidência um estudo que fez com dez psicopatas, a quem submeteu a testes de teoria da mente para avaliar o funcionamento do lóbulo frontal. A pontuação dos psicopatas se revelou tão baixa quanto a das pessoas com lesão cerebral na área. "O psicopata é um caso de lesão cerebral sem dano orgânico. Algo semelhante acontece nos casos de depressão ou esquizofrenia. Essa transformação 'desligou' neles a capacidade de sentir compaixão."

A maldade e a arte
Como entender o fascínio da história de Anakyn/Darth Vader? Para o diretor teatral e psicólogo social carioca Bernardo Jablonski, a chave está em nossos conflitos pessoais. "A arte é um espelho mágico que reflete o mundo e propõe soluções", explica. No caso da série "Guerra nas Estrelas", é possível encontrar elementos muito fortes na psique humana, como as relações de poder, o relacionamento entre pai e filho e a luta entre o bem e o mal. "Histórias assim são projeções de desejos muito profundos. Na visão contemporânea da psicologia social, somos tanto bons como maus. Sou capaz de ajudar uma velhinha a atravessar a rua, mas se alguém molestar meu filho, eu mato. Sem querer diminuir as religiões, Deus e o diabo somos nós." A dualidade dos jedis é também a nossa.

Ser ou não ser
A falta de compaixão pode ser encontrada em outros lugares. "Há 20 traços característicos de psicopatas", explica o psiquiatra forense americano Michael Welner. "Muitos, como narcisismo forte e pouca compaixão, estão presentes em altos executivos e pessoas bem-sucedidas." Ele acrescenta que os bons executivos também possuem qualidades criativas e inspiradoras, ou não teriam sucesso. "Mas é preocupante ver que quando uma pessoa bem-sucedida assume que pratica atos maus, o público parece relevar." Calejado pelos anos vendo casos horrorosos em tribunais, Welner crê que "qualquer um é capaz de fazer coisas más", e atualmente coordena uma pesquisa online para criar uma escala de maldade que sirva como parâmetro em julgamentos. "Isso pode ajudar a sociedade a ser menos condescendente, e parar de enxergar criminosos como popstars."

Para o filósofo Denis Rosenfield, autor de "Retratos do Mal", a origem dos atos destrutivos não seria o ambiente, a história de vida ou a biologia, mas a consciência. "Dizer que o mal é uma doença é uma recusa a pensar", diz. "O ser humano sempre pode dizer não a certas ações e sim a outras, mesmo que tenha um lado corrupto dentro dele. O mal é uma questão de escolha."É possível que seja. Afinal, até Darth Vader deixou de ser mau um dia.

Para ler
• "The Psychology of Good and Evil", Arthur G. Miller (org.). Guilford Press. 2004
• "The Murderer Next Door: Why the mind is designed to kill", David Buss. Penguin. 2005