quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Mulheres com paixão...


Ouse, ouse... ouse tudo!!! Não tenha necessidade de nada! Não tente adequar sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém. Acredite: a vida lhe dará poucos presentes.

Se você quer uma vida, aprenda... a roubá-la! Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer. Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso: algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!!!
( Lou Salomé )
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Lou Andreas-Salomé conseguiu realizar, em seus 76 anos de vida, o que as pessoas que têm paixão por tudo que buscam sempre conseguem: tornar a vida o ideal de suas crenças. Sua exploração em todos os sentidos. Isto que requer a fruição intensa e incessante de coisas e pessoas que nos cercam, de modo que o mundo exterior em nós penetre e a nós se incorpore. Pois a vida, como o dizia Rainer Maria Rilke a propósito de Rodin, "está nas pequenas coisas como nas grandes: no que é apenas visível e no que é
imenso".
Lou Salomé: uma prática de paixão; alguém que viveu a paixão com paixão, e talvez por isso mesmo provocou, até uma idade avançada, o nascimento da paixão nos seres que encontrou em seu caminho: Rilke, Nietzsche, Paul Rée, Tausk e, ao que parece, até mesmo Wagner sucumbiram ao seu encanto e à alegria de viver que transpirava em cada um de seus gestos - e o próprio Freud não parece ter sido indiferente à graça da discípula que ele qualificou de "raio de sol'.

Mulheres de fibra...

Ô Abre Alas

Chiquinha Gonzaga

Composição: Chiquinha Gonzaga

Ô Abre Alas,
Que eu quero passar (2 X)

Eu sou da Lira,
Não posso negar (2 X)

Ô Abre Alas,
Que eu quero passar (2 X)

Rosas de Ouro é quem vai ganhar (2 X)

P.S. Chiquinha Gonzaga é um exemplo de coragem e força, admiração. Sua determinação deveria ser seguida por todo o jovem, seja ele musicista, ou não. Sua figura é a prova concreta da veracidade de uma antiga máxima: “ Querer é poder”. Para isso bastam três fatores: Força de Vontade, dedicação e muito esmero.



terça-feira, 29 de janeiro de 2008

O que você ganha quando perde


Sua felicidade é viva...tem cor...som...cheiro...ou é uma felicidade morna? Quando vc acorda é apenas mais um dia, sem olhinhos brilhando, coração acelerando, frio na barriga...aquele sorriso? O mundo parece em paz, mas dentro de você uma voizinha teima em questionar que está faltando alguma coisa? Você precisa de mais, muito mais, só que no entanto se sente culpada por querer... pois tem essa aparente vida tranqüila...aparente felicidade, nada está no lugar, seus sonhos estão encaixotados, seus sentimentos em preto e branco...mas isso é tudo que você conhece...desencaixotar sonhos da um trabalho enorme, e se vc perde a única coisa que julga ter, seu mundo parece desmoronar e você só quer saber de quem foi a culpa... A realidade é abstrata muitas vezes quando procuramos caminhos alternativos para aliviar certas frustrações, e o medo de mudar é pior do que a própria mudança
Uma sacudida no seu mundo pode ser muito positiva, te mostrando o quanto de você estava adormecido, trazendo descobertas e redescobertas...você cresce, você vive e você vibra...mas no entanto, a sensação de perda não te deixa em paz, e você nem mesmo consegue ver o quanto está ganhando mas sim apenas o quanto perdeu...Ás perdas fazem parte do processo, tudo tem seu tempo...a perda também...você sofre, chora, se desespera...sente aquela dor e depois tem que seguir adiante sim...Melhor ter vida de verdade dentro e fora de si...do que a falsa sensação de que tudo está bem....e se você tiver que perder pra voltar a viver, pare de lamentações, deixe de procurar de quem foi a culpa, por que no fundo todos tem uma boa parcela dela.
Quando perdi aquilo que mais julguei ter medo de perder, me dei conta do quanto eu estava distante de mim mesma. Descobrir vida é muito bom....Descubra vida em você, sempre...
Uma pessoa muito querida me disse um vez que ela gostava muito de estar acompanhada de si mesma, e eu adotei isso e descobri que sinto o mesmo, é muito completo nos sentirmos bem com nós mesmos, se sinta cada vez mais bem acompanhada de si e vc verá como tudo a sua volta ganha um brilho novo
...então bom início de você ...vamos lá comece a colorir seus dias...

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... Enquanto lutava, via as pessoas falando em nome da liberdade, e quanto mais
defendiam este direito único, mais escravas se mostravam dos desejos de seus pais, de um
casamento onde prometiam ficar com o outro "pelo resto da vida", da balança, dos
regimes, dos projetos interrompidos no meio, dos amores aos quais não se podia dizer não
ou basta, dos finais de semana onde eram obrigadas a comer com quem não desejavam.
Escravos do luxo, da aparência do luxo, da aparência da aparência do luxo. Escravos de
uma vida que não tinham escolhido, mas que haviam decidido viver — porque alguém
terminou convencendo-os de que aquilo era melhor para eles. E assim seguiam em seus
dias e noites iguais, onde a aventura era uma palavra em um livro ou uma imagem na
televisão sempre ligada, e quando qualquer porta se abria, sempre diziam:
"Não me interessa, não estou com vontade." Como podiam saber se estavam ou
não com vontade, se jamais experimentaram? Mas era inútil perguntar: na verdade,
tinham medo de qualquer mudança que viesse sacudir o mundo com que estavam
acostumados.
( Paulo Coelho- O Zahir)



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A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!

MÁRIO QUINTANA

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos" (Fernando Pessoa)

Um Conto...

O CÃO DA MORTE
Foi por intermédio de William P. Ryan, correspondente de um jornal
americano, que ouvi falar pela primeira vez no caso. Estava jantando com ele
em Londres na véspera de seu regresso a Nova York e, por acaso, mencionei
que na manhã seguinte pretendia ir a Folbridge.
Ele levantou os olhos e perguntou abruptamente:
— Folbridge, na Cornualha?
Ora, é raríssima a pessoa que sabe que existe Folbridge, na Cornualha.
Todo mundo sempre pensa que se traía de Folbridge em Hampshire. Por isso o
conhecimento de Ryan despertou minha curiosidade.
— É — respondi. — Você já esteve lá?
Ele limitou-se a praguejar. Depois perguntou se por acaso eu não
conhecia uma casa chamada Trearne, que ficava por lá.
Meu interesse aumentou.
— Claro que conheço. Por sinal, é para lá que eu vou. É a casa da minha
irmã.
— Puxa! — exclamou William P. Ryan. — Só faltava mais essa!
Sugeri que parasse de fazer comentários enigmáticos e se explicasse
melhor.
— Bem — disse ele. — Para isso terei que começar por uma experiência
que tive no início da guerra.
Suspirei. A história que estou contando aconteceu em 1921. A última
coisa que podia me interessar era relembrar a guerra, graças a Deus já quase
esquecida... Além do mais, eu sabia que William P. Ryan tinha o costume de ser
incrivelmente prolixo quando se punha a descrever suas experiências de
combate.
Mas agora não havia mais jeito de impedir.
— No princípio da guerra, como acho que você sabe, eu me encontrava
na Bélgica a serviço do jornal... andando de um lado para o outro. Pois existia
um lugarejo... vamos chamá-lo de X. A aldeia mais insignificante que já se viu,
mas onde há um convento bastante grande. Freiras de branco, como é mesmo
que elas se chamam?... Sei lá o nome da ordem. Enfim, não vem ao caso. Pois
essa cidadezinha ficava bem no caminho da avançada alemã. Os boches
chegaram...
Agitei-me incômodo no assento. William P. Ryan levantou a mão, para
me tranqüilizar.
— Não se assuste — disse. — Não é uma história de atrocidades
germânicas. Podia ter sido, talvez, mas não foi. Para ser franco, aconteceu
exatamente o contrário. Os boches atacaram o tal convento... e quando
entraram, a coisa toda voou pelos ares.
— Puxa! — exclamei, espantado.
— Negócio estranho, não é? Claro que a primeira coisa que eu diria é que
os boches estavam festejando a vitória e começaram a brincar com seus próprios
explosivos. Mas parece que não havia nenhuma coisa desse tipo entre os
armamentos que eles carregavam. Não era uma unidade encarregada do
transporte de dinamite. Pois muito bem, eu então pergunto a você o que é que
um bando de religiosas entende de explosivos? Que freiras danadas, hem?
— De fato, é estranho — concordei.
— Fiquei interessado em ouvir a opinião dos camponeses sobre o
assunto. Para eles a explicação não podia ser mais simples. Tratava-se de um
milagre moderno, sensacional, cem por cento eficaz. Segundo eles, uma das
freiras havia criado uma espécie de fama... uma vocação de santa... entrava em
transe e tinha visões. E me disseram que foi ela a autora da proeza. Pediu que
um raio fulminasse o invasor impiedoso... e não há que negar que fulminou
mesmo... e tudo mais que se encontrava por perto. Milagre bem eficaz, esse!
“Nunca consegui apurar a verdade direito... não deu tempo. Mas
naquela época surgiam milagres por tudo quanto é canto... anjos em Mons, e
assim por diante. Escrevi o artigo, adicionei uma boa dose de pieguice, explorei
bem o lado religioso, e mandei pro jornal. Causou sucesso nos Estados Unidos.
Era o tipo da coisa que gostavam de ler naquele tempo.
“Mas (não sei se você vai compreender isto) ao escrever o artigo, fiquei
meio interessado. Achei que gostaria de saber o que tinha realmente acontecido.
No próprio local não havia nada para se ver. Ainda restavam duas paredes de
pé, e numa delas existia uma grande marca de pólvora preta com a forma exata
de um enorme cão de caça. Os camponeses das imediações andavam mortos de
medo da tal marca. Botaram-lhe o nome de Cão da Morte e não passavam por lá
depois que anoitecia.
“A superstição é sempre uma coisa interessante. Resolvi procurar a freira
autora da proeza. Parecia que continuava viva. Mas tinha vindo para a
Inglaterra, junto com um grupo de outros refugiados. Me dei ao trabalho de
localizá-la. Descobri que havia ido para Trearne, em Folbridge, na Cornualha.”
Confirmei com a cabeça.
— Minha irmã acolheu uma porção de refugiados belgas no começo da
guerra. Uns vinte, mais ou menos.
—Pois me prometi que, quando tivesse tempo, iria procurar a tal freira.
Queria que ela me contasse a sua própria versão da tragédia. Depois, andando
sempre às voltas com uma coisa e outra, não pensei mais no assunto. A
Cornualha, de qualquer forma, fica meio fora de mão. Para falar a verdade,
tinha-me esquecido por completo dessa história, até que você, ao mencionar
Folbridge há pouco, trouxe tudo de volta à minha memória.
— Vou perguntar à minha irmã — disse eu. — Ela deve ter ouvido falar
no caso. Só que os belgas, naturalmente, já foram repatriados há muito tempo.
— Lógico. Mesmo assim, se sua irmã souber de alguma coisa, eu gostaria
muito que você me comunicasse.
— Pode ficar descansado — prometi.
E a coisa ficou nesse pé.
II
Foi no dia seguinte à minha chegada a Trearne que me lembrei da
história. Minha irmã e eu estávamos tomando chá no terraço.
— Kitty — perguntei, — não havia uma freira entre os belgas que você
acolheu?
— Você não quer dizer a irmã Marie Angelique, não é?
— É possível que sim — respondi, precavido. — Me fale sobre ela.
— Ah, meu caro! É uma criatura simplesmente fantástica. Ainda mora
aqui, você sabia?
— Quê? Aqui em casa?
— Não, não, na aldeia. O Dr. Rose... lembra-se do Dr. Rose?
Sacudi a cabeça.
— Eu me lembro de um velho de seus oitenta e três anos.
— O Dr. Laird? Não, esse já morreu. Faz pouco tempo que o Dr. Rose
veio pra cá. É bem moço e cheio de idéias avançadas. Se tomou de um interesse
enorme pela irmã Marie Angelique. Sabe, ela sofre de alucinações e não sei mais
o quê, e pelo jeito é tremendamente interessante sob o ponto de vista médico.
Coitada, não tinha para onde ir... e realmente, na minha opinião, era bem
amalucada... só que de uma maneira comovente, se è que você me entende...
pois bem, como eu ia dizendo, ela não tinha para onde ir e o Dr. Rose, muito
gentilmente, arrumou para que ela ficasse na aldeia. Creio que ele está
escrevendo uma monografia ou seja lá o que for que os médicos escrevem, a
respeito dela.
Fez uma pausa e depois perguntou:
— Mas o que é que você sabe dela?
— Ouvi uma história bastante curiosa.
E contei exatamente o que Ryan tinha me dito. Kitty ficou
Interessadíssima.
— Ela parece mesmo o tipo da pessoa que seria capaz de mandar você
pelos ares... entende o que eu quero dizer, não é?
— Estou achando — respondi, cada vez mais curioso, — que preciso
mesmo falar com essa moça.
— Pois fale. Eu gostaria de saber sua opinião sobre ela. Mas primeiro
procure o Dr. Rose. Por que não vai até a aldeia depois do chá?
Aceitei a sugestão.
Encontrei o Dr. Rose em casa e me apresentei. Parecia ser um rapaz
simpático, mas havia qualquer coisa na sua personalidade que não me agradou
muito. Era prepotente demais para deixar a gente inteiramente à vontade.
Ficou bem atento quando mencionei a irmã Marie Angelique. Era
evidente que estava profundamente interessado. Contei-lhe a história que tinha
ouvido de Ryan.
— Ah! — exclamou, pensativo. — Isso explica uma porção de coisas.
Levantou rápido os olhos para mim e continuou.
— O caso, de fato, é incrivelmente interessante. Quando ela chegou aqui,
era evidente que tinha sofrido algum choque muito grande. Encontrava-se
também num estado de grave perturbação mental. Era dada a alucinações de
uma natureza simplesmente desconcertante. A personalidade dela é
absolutamente fora do comum. Talvez o senhor queira vir junto comigo para
lhe fazermos uma visita. Vale a pena conversar com ela.
Concordei prontamente.
Dirigimo-nos a um pequeno chalé nos arredores da aldeia. Folbridge é
um lugar muito pitoresco. Fica na foz do Rio Fol, sobretudo na margem leste; a
margem oeste é escarpada demais para ser povoada, o que não impede que
existam algumas casas construídas temerariamente lá por aqueles penhascos. A
do médico, por exemplo, estava encarapitada bem na extremidade do penhasco
do lado oeste. Dali se avistavam as grandes ondas batendo contra os rochedos
negros.
O pequeno chalé para onde agora nos dirigíamos ficava afastado da
costa, sem vista para o mar.
— A enfermeira local mora aqui — explicou o Dr. Rose. — Eu
providenciei para que a irmã Marie Angelique se hospedasse com ela. É melhor
que permaneça sob cuidados especiais.
— Ela tem comportamento normal? — perguntei, curioso.
— Daqui a pouco o senhor verá com seus próprios olhos — respondeume,
sorrindo.
A enfermeira local, uma mulherzinha baixota e simpática, estava saindo
de bicicleta quando chegamos.
— Boa tarde, enfermeira. Como vai a paciente? — gritou o médico.
— Como sempre, doutor. Sentada lá dentro com as mãos no colo e o
espírito ausente. Muitas vezes não responde quando lhe falo, apesar de que
deve-se levar em conta que ainda não entende bem o inglês.
Rose concordou com a cabeça e, enquanto a enfermeira saía pedalando
pela estrada afora, foi até a porta do chalé, bateu com força e entrou.
A irmã Marie Angelique estava reclinada numa preguiçosa perto da
janela. Virou a cabeça para o nosso lado.
Tinha um rosto estranho — pálido, transparente, com olhos imensos.
Pareciam conter uma infinidade de tragédias.
— Boa tarde, irmã — disse o médico, em francês.
— Boa tarde, M. le docteur.
— Permita-me apresentar-lhe um amigo, Mr. Anstruther.
Fiz uma mesura. Ela inclinou a cabeça com um leve sorriso.
— Como está hoje? — perguntou o médico, sentando-se a seu lado.
— Como sempre. — Houve uma pausa. Depois continuou. — Nada me
parece real. São dias... meses... ou anos que passam? Eu mal sei. Só meus sonhos
me parecem reais.
— Ainda sonha muito, então?
— Sempre... sempre... e, o senhor compreende?... os sonhos parecem
mais reais do que a vida.
— Sonha com seu país... com a Bélgica?
Ela sacudiu a cabeça.
— Não. Sonho com um país que nunca existiu... nunca. Mas isso o senhor
está cansado de saber, M. le docteur. Já lhe contei várias vezes. — Parou e depois
disse bruscamente: — Mas talvez este senhor também seja médico... um
especialista de doenças do cérebro?
— Não, não.
Rose quis tranqüilizá-la, mas enquanto sorria, notei como seus dentes
caninos eram incrivelmente pontudos e me ocorreu que havia qualquer coisa de
lobo nele. Prosseguiu:
— Achei que talvez tivesse interesse em conversar com Mr. Anstruther.
Ele conhece um pouco a Bélgica. Ultimamente recebeu notícias do seu
convento.
Os olhos dela se viraram para mim. Senti que avermelhei de leve.
— Não é nada, realmente — me apressei a explicar. — Mas outra noite
estava jantando com um amigo que me descreveu as paredes desmoronadas do
convento.
— Quer dizer então que desmoronaram!
Era uma exclamação sufocada, dirigida mais a ela própria do que a nós
mesmos. Depois, olhando-me mais uma vez, perguntou hesitante:
— Diga-me, monsieur, o seu amigo não descreveu como... de que
maneira... desmoronaram?
— Foi devido a uma explosão — respondi, e acrescentei: — Os
camponeses têm medo de passar lá de noite.
— Por quê?
— Por causa de uma marca preta nos escombros de uma parede. São
muito supersticiosos.
Ela se curvou para a frente.
— Diga-me, monsieur... depressa... depressa... diga-me! Como é essa
marca?
— Tem a forma de um enorme cão de caça — respondi. — Os
camponeses lhe botaram o nome de Cão da Morte.
— Ah! — exclamou, num grito. — Então é verdade... é verdade. Tudo o
que eu me lembro é verdade. Não foi nenhum pesadelo. Isso aconteceu!
Aconteceu!
— O que aconteceu, irmã? — perguntou o médico em voz baixa.
Ela se virou, ansiosa, para ele.
— Eu me lembrava. Lá, nos degraus, eu me lembrava. Me lembrava de
tudo. Usei o poder que tínhamos antigamente. Fiquei parada nos degraus do
altar e pedi que não se aproximassem. Mandei que fossem embora, em paz. Não
quiseram ouvir, continuaram vindo apesar das minhas advertências. E aí... —
Curvou-se para a frente e fez um gesto estranho. — E aí eu soltei o Cão da
Morte em cima deles. ..
Recostou-se de novo na cadeira, estremecendo da cabeça aos pés, os
olhos fechados.
O médico se levantou, foi buscar um copo no armário, encheu de água
até o meio, pingou duas gotas de um frasquinho que tirou do bolso, e depois
levou para ela.
— Beba isto aqui — pediu, autoritário.
Ela obedeceu — maquinalmente, por assim dizer. Tinha o olhar distante,
como se estivesse contemplando uma visão que só ela podia enxergar.
— Mas então tudo é verdade — murmurou. — Tudo. A Cidade dos
Círculos, as pessoas de cristal... tudo. É tudo verdade.
— Parece que sim — concordou Rose.
Falava em voz baixa, apaziguadora, com o nítido propósito de estimular
e não perturbar a associação de idéias da religiosa.
— Fale-me da cidade — pediu. — Da Cidade dos Círculos, não foi isso
que você disse?
— Sim... havia três círculos — respondeu maquinalmente, distraída. — O
primeiro se destinava aos eleitos, o segundo às sacerdotisas e o último aos
sacerdotes.
— E no centro?
Ela tomou fôlego com veemência e a voz adquiriu um tom de
indescritível pavor.
— A Casa de Cristal...
Ao pronunciar essas palavras, levantou a mão direita e traçou com o
dedo um contorno qualquer sobre a testa.
Seu corpo pareceu mais rígido e, sempre de olhos fechados, oscilou um
pouco — depois, de repente, endireitou-se de um salto, como se tivesse
acordado bruscamente.
— Que foi? — perguntou, confusa. — Que que eu estava falando?
— Não foi nada — respondeu Rose. — Você está cansada. Quer
descansar. Nós já vamos embora.
Parecia meio estonteada quando saímos.
— Então — disse Rose, já do lado de fora. — Qual foi a sua impressão?
Lançou-me um olhar penetrante enquanto caminhávamos.
— Acho que ela está completamente desequilibrada — respondi,
devagar.
— Foi isso que lhe pareceu, é?
— Não... para dizer a verdade, ela quase que me convenceu... de uma
maneira até estranha. Ouvindo o que ela falava, tive a impressão de que, de
fato, havia feito tudo aquilo que descrevia... operando uma espécie de
gigantesco milagre. O jeito como ela acredita nisso me parece bastante
autêntico. É por isso que...
— É por isso que o senhor diz que ela está desequilibrada. Tem razão.
Mas agora encare o caso sob outro aspecto. Suponhamos que ela tenha,
realmente, feito aquele milagre... suponhamos que ela, pessoalmente, tenha
destruído um prédio e centenas de seres humanos.
— Pelo simples poder da vontade? — retruquei, sorrindo.
— Não diria bem isso. O senhor sabe que uma pessoa pode destruir uma
multidão apertando um botão que controlasse um sistema de minas.
— Sim, mas isso é uma coisa mecânica.
— De fato, é uma coisa mecânica, mas é a utilização e o controle de forças
naturais. As trovoadas e a usina elétrica são, fundamentalmente, a mesma coisa.
— Sim, mas para controlar a trovoada nós temos que recorrer a processos
mecânicos.
Rose sorriu.
— Vou escapar pela tangente. Existe uma substância chamada gaultéria,
que aparece na natureza em forma de vegetal, mas que também pode ser obtida
sintética e quimicamente no laboratório.
— E daí?
— O que eu quero dizer é que muitas vezes há duas maneiras de chegar
ao mesmo resultado. A nossa é, reconhecidamente, a sintética. Mas talvez haja
outra. Os incríveis resultados conseguidos pelos faquires hindus, por exemplo,
não se explicam satisfatoriamente com qualquer resposta fácil. As coisas que
chamamos de sobrenaturais não têm, necessariamente, nada de sobrenatural.
Uma lanterna elétrica seria sobrenatural para um selvagem. O sobrenatural é
apenas o natural daquilo cujas leis ainda não entendemos.
— Que quer dizer? — perguntei, fascinado.
— Que não posso excluir por completo a possibilidade de que o ser
humano talvez seja capaz de armazenar uma grande força destruidora e usá-la
para atingir seus objetivos. Os meios pelos quais ele conseguiria isso poderiam
nos parecer sobrenaturais... mas na realidade não são.
Arregalei os olhos.
Ele riu.
— Trata-se apenas de uma especulação — disse, despreocupado... — Me
diga uma coisa, o senhor não reparou no gesto que ela fez quando mencionou a
Casa de Cristal?
— Ela passou a mão pela testa.
— Exatamente. E traçou um círculo com o dedo. Tal como um católico ao
fazer o sinal da cruz. Agora vou lhe contar uma coisa bastante curiosa, Mr.
Anstruther. A palavra cristal já foi usada tantas vezes nas divagações da minha
paciente, que decidi fazer uma experiência. Peguei um cristal emprestado e um
dia mostrei-o inesperadamente para testar a reação dela.
— E daí?
— Bem, o resultado foi muito interessante e sugestivo. Ela endureceu
todo o corpo e ficou olhando para o cristal como se não pudesse acreditar no
que estava vendo. Depois caiu de joelhos diante dele, murmurou algumas
palavras... e desmaiou.
— Que palavras que ela disse?
— Muito estranhas. “O Cristal! Então a fé ainda vive!”
— Que coisa incrível!
— Dá para a gente pensar, não é? Agora vem a parte curiosa. Quando ela
voltou a si do desmaio, tinha-se esquecido de tudo. Mostrei-lhe o cristal e
perguntei se sabia o que era. Me respondeu que imaginava que fosse uma
dessas bolas de cristal usadas pelos adivinhos. Perguntei-lhe se nunca tinha
visto uma. Ela respondeu: “Nunca, M. le docteur”. Mas eu notei que estava com
o olhar perplexo. “O que é que a está preocupando, irmã?”, perguntei. Ela
respondeu: “É que acho tão estranho. Nunca tinha visto antes um cristal e no
entanto... me parece que já conheço tão bem. Tem uma coisa... se ao menos eu
pudesse me lembrar....” O esforço que fazia para recordar era evidentemente
tão penoso que eu proibi que pensasse mais naquilo. Isso foi há duas semanas.
Venho contemporizando de propósito. Amanhã vou fazer uma nova
experiência.
— Com o cristal?
— É. Quero que ela olhe bem para ele. Acho que o resultado vai ser
interessante.
— Que espera descobrir? — perguntei, curioso.
A pergunta era ociosa, mas o resultado foi inesperado. Rose se
empertigou todo, avermelhou, e quando respondeu seu comportamento havia
mudado sem que se desse conta. Estava mais formal, mais profissional.
— A explicação para certos desequilíbrios mentais que não se
compreendem direito. A irmã Marie Angelique é um objeto de estudo muito
interessante.
Quer dizer, então, que o interesse de Rose era unicamente profissional?
— pensei.
— Não se importa que eu venha junto? — perguntei.
Talvez fosse imaginação minha, mas me pareceu que ele hesitou antes de
responder. Tive a súbita intuição de que não queria que eu fosse.
— Claro que não. Não faço a menor objeção.
E acrescentou:
— O senhor não pretende se demorar muito por aqui, não é?
— Só vou ficar até depois de amanhã.
Deu-me a impressão de ter ficado contente com a resposta. Desanuviou a
testa e começou a falar sobre certas experiências efetuadas recentemente em
cobaias.
III
Na tarde do dia seguinte me encontrei com o médico na hora marcada e
fomos juntos à casa da irmã Marie Angelique. Ele estava todo gentil, talvez para
desfazer a impressão causada na véspera.
— Não leve muito a sério o que eu disse — comentou, rindo. — Não vá
pensar que me dedico a ciências ocultas. O diabo é que eu tenho uma fraqueza
infernal para tirar as coisas a limpo.
— É mesmo?
— É sim, e quanto mais fantásticas, mais eu gosto.
Riu como a gente ri de uma fraqueza engraçada.
Quando chegamos ao chalé, a enfermeira local queria consultar Rose
sobre não sei o quê, de modo que fiquei a sós com a irmã Marie Angelique.
Vi que ela me analisava minuciosamente. Não demorou muito, disse:
— A nossa querida enfermeira me falou que o senhor é irmão daquela
senhora tão educada que mora lá no casarão para onde me levaram quando vim
da Bélgica.
— Sou, sim — confirmei.
— Ela foi muito boa pra mim. É uma ótima pessoa. Calou-se, como que
remoendo uma idéia. Por fim perguntou:
— M. le docteur também é uma ótima pessoa? Fiquei meio atrapalhado.
— É sim. Quero dizer... acho que é.
— Ah! — Fez uma pausa e depois acrescentou: — Não há que negar que
ele tem sido muito bom pra mim.
— Sem dúvida nenhuma.
Ela levantou bruscamente os olhos.
— Monsieur... o senhor... o senhor que agora está conversando aqui
comigo... o senhor acha que eu estou louca?
— Ora, irmã, uma idéia dessas nunca me...
Ela sacudiu lentamente a cabeça — interrompendo meu protesto.
— Será que estou louca? Sei lá... as coisas que eu lembro... as coisas que
esqueço...
Suspirou, e nesse instante Rose entrou na sala.
Cumprimentou-a alegremente e explicou o que desejava que ela fizesse.
— Sabe, há certas pessoas que possuem o dom de ver coisas num cristal.
Desconfio que você também possua esse dom, irmã.
Pareceu inquieta.
— Não, não, eu não posso fazer isso. Tentar adivinhar o futuro... isso é
pecado.
Rose ficou surpreso. Não contava com aquela reação. Mudou logo de
tática.
— Não se deve querer ver o futuro, tem toda a razão. Já o passado... é
diferente.
— O passado?
— Sim... existem muitas coisas estranhas no passado. Que voltam como
relâmpagos... entrevistos um instante... e depois desaparecem de novo. Não
procure enxergar nada no cristal, já que isso não lhe está permitido. Apenas
pegue-o nas mãos... assim. Olhe para ele... olhe bem. É... olhe bem no fundo...
cada vez mais. Já está se lembrando, não é? Está, sim. E também ouve minha
voz, falando com você. Agora responda minhas perguntas. Não está me ouvindo?
A irmã Marie Angelique tinha pegado o cristal como ele pedia,
segurando-o com estranho respeito. Depois, à medida que ia olhando bem para
ele, seu olhar se tornou vago, como se não estivesse vendo mais nada, e deixou
pender a cabeça. Parecia estar dormindo.
O médico tirou-lhe o cristal delicadamente das mãos e colocou-o em cima
da mesa. Levantou-lhe o canto da pálpebra. Depois veio sentar-se ao meu lado.
— Temos que esperar que acorde. Acho que não vai demorar muito.
Tinha razão. Ao cabo de cinco minutos, a irmã Marie Angelique se
mexeu. Abriu languidamente os olhos.
— Onde estou?
— Aqui... em casa. Você dormiu um pouco. Sonhou, não sonhou?
Ela confirmou com a cabeça.
— Sonhei, sim.
— Foi com o Cristal?
— Foi.
— Conte pra nós.
— O senhor vai me achar louca, M. le docteur. Pois imagine, no meu
sonho, o Cristal era um emblema sagrado. Cheguei, inclusive, a conceber um
segundo Cristo, um Mestre do Cristal, que morreu pela sua fé, cujos discípulos
foram caçados... perseguidos... Mas a fé sobreviveu.
— Sobreviveu?
— Sim... durante quinze mil luas cheias... quero dizer, durante quinze
mil anos.
— Quanto tempo dura uma lua cheia?
— O tempo de treze luas comuns. Sim, foi na décima-quinta milésima lua
cheia... eu, naturalmente era uma Sacerdotisa do Quinto Signo na Casa de
Cristal. Foi nos primeiros dias do advento do Sexto Signo...
Franziu as sobrancelhas e uma expressão de medo passou-lhe pelo rosto.
— Cedo demais — murmurou. — Cedo demais. Um engano... Ah, sim!
Agora me lembro! O Sexto Signo!
Meio que saltou em pé, depois recostou-se de novo, passando a mão pelo
rosto e murmurando:
— Mas que estou dizendo? Deliro. Essas coisas nunca aconteceram.
— Vamos, não se preocupe.
Mas ela o olhava, perplexa, angustiada. — M. le docteur, eu não entendo.
Por que é que eu tenho esses sonhos... essas fantasias? Eu tinha apenas
dezesseis anos quando entrei para a vida religiosa. Nunca viajei. No entanto
sonho com cidades, com pessoas e costumes estranhos. Por quê?
Apertou a cabeça entre as mãos.
— Nunca foi hipnotizada, irmã? Nem entrou em estado de transe?
— Nunca fui hipnotizada, M. le docteur. Quanto ao transe, quando eu
rezava na capela, meu espírito muitas vezes se alienava do corpo e eu ficava
uma porção de horas como se estivesse morta. Era, sem dúvida, um estado de
bem-aventurança, um estado de graça... como dizia a Reverenda Madre. Ah, é?
— Prendeu a respiração. — Agora me lembro. Nós também chamávamos isso de
estado de graça.
— Gostaria de fazer uma experiência, irmã — disse Rose numa voz bem
natural. — Talvez disperse essas lembranças penosas. Vou lhe pedir que olhe
mais uma vez para o cristal. Depois lhe direi uma determinada palavra. Você
responderá com outra. Continuaremos assim até que se sinta cansada.
Concentre seus pensamentos no cristal e não nas palavras.
Enquanto eu tornava a desembrulhar o cristal e o entregava à irmã Marie
Angelique, reparei na maneira respeitosa com que ela o pegava. Pousado sobre
o veludo preto, ficou entre as delgadas palmas de suas mãos. Ela o fitava com
aqueles maravilhosos olhos profundos. Houve um curto silêncio e depois o
médico disse: “Cão”.
A irmã Marie Angelique respondeu imediatamente: “Morte”.
IV
Não pretendo descrever todos os pormenores da experiência. O médico
pronunciou muitas palavras sem importância nem sentido. Repetiu outras
várias vezes, pra obtendo a mesma resposta, ora obtendo uma resposta
diferente.
Naquela noite comentamos o resultado da experiência no pequeno chalé
do médico nos penhascos.
Ele pigarreou e puxou seu caderno de notas mais para perto.
— Estes resultados são interessantíssimos... muito curiosos. Em resposta
às palavras “Sexto Signo”, nós Obtivemos uma profusão de outras: Destruição,
Roxo, Cão, Poder, depois novamente Destruição e, por fim, Poder. Mais tarde,
como talvez tenha observado, inverti o método, com os seguintes resultados.
Em resposta a Destruição, obtive Cão; a Roxo, Poder; a Cão, novamente Morte, e a
Poder, Cão. Isso está tudo inter-relacionado, mas numa segunda repetição de
Destruição, eu obtive Mar, que parece totalmente descabido. Para as palavras
“Quinto Signo”, eu obtive Azul, Pensamentos, Pássaro, novamente Azul e, por
fim, a frase bastante sugestiva Abertura do espírito à percepção. A partir do fato de
que “Quarto Signo” evoca a palavra Amarelo, e depois Luz, e que “Primeiro
Signo” é respondido por Sangue, eu deduzo que cada Signo tenha uma cor
própria, e possivelmente um símbolo próprio, sendo que o do Quinto seria um
Pássaro e o do Sexto um Cão. Desconfio, porém, que o Quinto Signo
representasse o que se conhece comumente pelo nome de telepatia — a abertura
do espírito à percepção. O Sexto Signo, sem dúvida, representa o Poder da
Destruição.
— Qual o significado de Mar?
— Isso, confesso que não sei explicar. Eu pronunciei a palavra depois e
obtive a resposta comum de Barco. Para o Sétimo Signo, houve primeiro Vida, e
na segunda vez Amor. Para o Oitavo Signo, obtive a resposta Nenhum. Suponho,
portanto, que Sete era a soma e o número dos signos.
— Mas o Sétimo não foi atingido — exclamei, numa súbita inspiração. —
Pois com o Sexto chegava a Destruição!
— Ah! O senhor acha, é? Mas nós estamos levando essas... divagações
malucas muito a sério. Elas de fato, só possuem interesse sob um ponto de vista
médico.
— Certamente atrairão a atenção dos investigadores de fenômenos
psíquicos.
Os olhos do médico se franziram.
— Meu caro senhor, eu não tenho a menor intenção de divulgá-las ao
público.
— Então o seu interesse... ?
— É unicamente profissional. Está claro que tomarei notas sobre o caso.
— Compreendo.
Mas, pela primeira vez, percebi que não estava compreendendo nada.
Levantei-me.
— Bem, desejo-lhe uma boa noite, doutor. Amanhã parto de volta para a
cidade.
— Ah!
Tive impressão de que havia satisfação, talvez alívio, atrás dessa
exclamação.
— Desejo-lhe boa sorte nas suas investigações — continuei,
despreocupadamente. — Da próxima vez que nos encontrarmos, não solte o
Cão da Morte em cima de mim, hem?!
Enquanto falava, segurava-lhe as mãos e senti o susto que levou. Mas
logo se recompôs. Os lábios se abriram num sorriso, mostrando os longos
dentes pontudos.
— Que poder para um homem que se embriagasse com ele! —
exclamou. — Ter a vida de cada ser humano na palma da mão!
E alargou ainda mais o sorriso.
V
Esse foi o fim da minha ligação direta com o caso.
Mais tarde, o caderno de notas e o diário do médico chegaram às minhas
mãos. Vou reproduzir aqui os seus rápidos apontamentos, embora vocês hão de
compreender que eles só caíram realmente em meu poder algum tempo depois.
5 de agosto. Descobri que a irmã M.A. entende por “Eleitos” aqueles que
reproduziram a raça. Eram, pelo visto, venerados e exaltados acima do
Sacerdócio. Veja-se o contraste com os cristãos primitivos.
7 de agosto. Convenci a irmã M.A. a me deixar hipnotizá-la. Consegui
provocar-lhe o sono e o transe hipnótico, mas não estabeleci nenhuma relação.
9 de agosto. Teriam existido civilizações antigas perto das quais a nossa
fosse insignificante? Por estranho que pareça, tudo indica que sim, e eu sou o
único homem que possui a pista...
12 de agosto. A irmã M.A. não se mostra nada suscetível à sugestão
quando hipnotizada. No entanto, o estado de transe é facílimo de ser
provocado. Não posso entender.
13 de agosto. A irmã M.A. mencionou hoje que em “estado de graça” o
“portão precisa ficar fechado, para que ninguém mais domine o corpo”.
Interessante — mas desconcertante.
18 de agosto. Quer dizer, pois, que o Primeiro Signo não é senão... (faltam
palavras que foram apagadas)... então quantos séculos vai levar para chegar ao
Sexto? Mas se houvesse um atalho para o Poder...
20 de agosto. Providenciei tudo para que M.A. viesse para cá com a
enfermeira. Disse-lhe que é indispensável manter a paciente sob a ação da
morfina. Estarei louco? Ou será que sou o Super-homem, com o Poder da Morte
em minhas mãos?
(Aqui terminam os apontamentos.)
VI
Creio que foi no dia 29 de agosto que recebi a carta. Vinha endereçada a
mim, aos cuidados de minha cunhada, numa letra deitada de estrangeira. Abri
o envelope com certa curiosidade. Dizia o seguinte:
Cher Monsier,
Falei só duas vezes com o senhor, mas sinto que é uma pessoa em quem
posso confiar. Não sei se meus sonhos são verdadeiros ou não, mas
ultimamente se tornaram mais nítidos... E, monsieur, de uma coisa estou
absolutamente certa, o Cão da Morte não é nenhum sonho... Nos dias de que
lhe falo (não sei se foram reais ou não). Aquele que era o Guarda do Cristal
revelou cedo demais o Sexto Signo ao Povo... O mal se apossou de seus
corações. Ganharam o poder de matar à vontade — e injustamente — tomados
de cólera. Embriagaram-se com a volúpia do Poder. Quando percebemos isso,
nós que ainda éramos puros, logo vimos que mais uma vez não completaríamos
o Círculo nem atingiríamos o Signo da Vida Eterna. E aquele que estava
escalado para ser o próximo Guarda do Cristal teve que agir. Para que os velhos
perecessem e os novos, depois de séculos sem fim, pudessem ressurgir, ele
soltou o Cão da Morte em cima do mar (cuidando para não fechar o Círculo) e o
mar se levantou na forma de um Cão e tragou a terra por completo. ..
Já me lembrei disso antes — nos degraus do altar, na Bélgica...
O Dr. Rose pertence à Irmandade. Ele conhece o Primeiro Signo e a
forma do Segundo, embora ninguém, salvo alguns eleitos, esteja a par do seu
significado. Por meu intermédio ele chegaria ao Sexto. Até agora consegui
resistir-lhe — mas me sinto cada vez mais fraca, monsieur, e não convém que um
homem atinja o poder antes da hora. Muitos séculos hão de se passar antes que
o mundo esteja preparado para receber o poder da morte em suas mãos... Eu
lhe suplico, monsieur, o senhor que tanto preza o bem e a verdade, me ajude...
antes que seja tarde demais.
Sua irmã em Cristo,
Marie Angelique.
Deixei o papel cair no chão. A terra sob os meus pés parecia menos firme
que de costume. Depois comecei a me reanimar. A crença da coitada, por mais
autêntica que fosse, tinha quase me contagiado. Mas não havia dúvida. O Dr.
Rose, com seu fanatismo para tirar as coisas a limpo, estava ultrapassando dos
limites de sua condição profissional. Eu ia correr até lá e...
De repente dei com uma carta de Kitty no meio da correspondência. Abri
o envelope. Dizia:
Aconteceu uma coisa horrível. Você se lembra do
chalezinho do Dr. Rose, lá no penhasco? Pois, ontem à
noite, houve um desmoronamento de terra e o doutor e
aquela pobre freira, a irmã Marie Angelique, morreram.
Os destroços na praia são um verdadeiro horror — tudo
amontoado de uma maneira fantástica — de longe parece
um enorme cão...
A carta me caiu das mãos.
Os outros fatos talvez fossem coincidência. Um tal de Mr. Rose, que eu
descobri que era um parente rico do médico, morreu repentinamente, naquela
mesma noite — dizem que fulminado por um raio. Ao que me consta, não
houve nenhum temporal nas imediações, mas duas pessoas declararam ter
ouvido uma trovoada. E no corpo do morto apareceu uma queimadura elétrica
“de uma forma curiosa”. Em seu testamento deixava tudo para o sobrinho, o
Dr. Rose.
Ora, suponhamos que o Dr. Rose conseguisse obter o segredo do Sexto
Signo por intermédio da irmã Marie Angelique. Ele sempre me deu impressão
de ser um sujeito inescrupuloso — que não hesitaria em dar cabo da vida do tio
se tivesse certeza de que ficaria impune. Mas uma frase da carta da irmã Marie
Angelique não me sai da cabeça: “... cuidando para não fechar o Círculo...” O
Dr. Rose não teve esse cuidado — talvez ignorasse as medidas que devia tomar
ou até nem soubesse que precisava fazer isso. E assim a Força que usou se
voltou contra ele, fechando o círculo...
Mas claro, que bobagem! A explicação é perfeitamente natural. Que o
doutor acreditasse nas alucinações da irmã Marie Angelique apenas prova que
o cérebro dele também estava levemente desequilibrado.
No entanto, às vezes eu sonho com um continente submarino onde a
humanidade outrora viveu e atingiu um grau de civilização muito mais
adiantado que o nosso...
Ou será que a memória da irmã Marie Angelique funcionava de trás para
diante — como alguns dizem que é possível — e que a tal Cidade dos Círculos
se encontra no futuro e não no passado?
Bobagem — claro que tudo foi só alucinação!

(Agatha Christie)

domingo, 27 de janeiro de 2008

Rio Sem Fim

Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre -
Esse rio sem fim.

(Fernando Pessoa)

Brincadeira de papel


Essa semana eu estive procurando em papelaria e banca de jornal uma boneca de papel para presentear minha sobrinha, queria presenteá-la com uma forma de brincar simples e prazerosa da minha geração. Bem não foi surpresa o fato de não ter encontrado nadinha, hoje em dia os brinquedos e brincadeiras são bem diferentes na verdade, então recorri ao nosso querido Google, e encontrei vários sites sobre o assunto, descobri que não sou a única a sentir saudades dessa época.


Destaco esse site em especial, pois nele encontrei tudo que buscava, depois foi só imprimir, recortar, colar em papelão e mandar para minha pimpolha, isso tudo cheia de saudosismo e prazer, não vou negar

http://quartodatralha.blogspot.com/2005/04/bonecas-de-papel.html

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Os Simpsons em 14 fatos


1>>>A série é a mais duradoura (e sem interrupções) entre os programas de animação da TV americana. Em 19 de abril de 1987, a família Simpson fez sua primeira aparição no "The Tracey Ullman Show". O episódio de número 400 marcou o final da 18ª temporada, em 20 de maio deste ano. A próxima (2007-2008) já está confirmada.

2>>>Em sua edição de 31 de dezembro de 1999, a revista "Time" escolheu "Os Simpsons" como a melhor série de TV do século 20.

3>>>O criador do programa, Matt Groening, batizou os membros da família com os nomes de seus próprios familiares: Homer, Marge, Lisa e Maggie. Apenas um deles foi alterado: Matt por Bart.

4>>>Apesar de ser um retrato ácido e fiel das entranhas da sociedade americana, tudo é deliciosamente fake em "Os Simpsons". Os personagens nunca envelhecem, apesar de vários episódios mostrarem datas comemorativas como aniversários e festas de fim de ano. Não se sabe qual a localização de Springfield - há dezenas de cidades com o mesmo nome nos EUA - e sua geografia muda constantemente. O município foi fundado em 1796 pelo pioneiro Jebediah Springfield. Ele estava numa missão espiritual, em busca da "Nova Sodoma". A população da cidade (o número é sempre o mesmo) é de 30.720 habitantes.

5>>>A seqüência de abertura de "Os Simpsons" é uma das mais marcantes de todos os tempos. O espectador pode não perceber, mas vários detalhes são alterados constantemente. Bart pode escrever frases diferentes na lousa na cena em que aparece de castigo em sua escola. Lisa às vezes toca novas melodias com seu saxofone. Algo totalmente bizarro pode acontecer quando a família se espreme no sofá - um truque utilizado pelos animadores para "preencher" um episódio, fazendo com que a abertura de 30 segundos tenha até 1min30s. Desde 1989, no trecho em que o bebê Maggie é escaneado no caixa do supermercado como um saco de batatas, US$ 847,63 aparecem no visor da máquina - custo médio mensal da criação de uma criança nos EUA naquele ano.

6>>>O clássico "D'oh", proferido por Homer quando uma frustração pinta pelo caminho, foi incluído no "Oxford English Dictionary". Outros bordões clássicos - como o "Excelente…" do sr. Burns, patrão de Homer e dono da usina nuclear da cidade - fazem parte do vocabulário de boa parte dos americanos.

7>>>Apesar de a série ser classificada como "de esquerda" por boa parte dos críticos norte-americanos, Matt Groening prefere dizer que sua missão é mostrar como um "cara normal pode ser oprimido pelo governo e por grandes corporações". George Bush (pai) disse em entrevista no final dos anos 1980: "Precisamos fazer com que os americanos se pareçam mais com os Waltons [velho seriado sobre uma família do interior, aquele do John-Boy] e menos com os Simpsons".

8>>>Temas religiosos são tratados de forma semelhante, ou seja, sobram críticas para católicos, judeus, evangélicos, hindus, muçulmanos e outros fiéis. Quanto aos Simpsons (menos Lisa), eles demonstram o comportamento típico da ala pouco praticante da população cristã, procurando abrigo em Deus quando a coisa aperta. Em momentos de desespero, Homer já pediu ajuda a "Jebus" (assim mesmo, com b).

9>>>Sempre que possível, roteiristas e animadores incluem piadas-relâmpago (quase mensagens subliminares) em sinais de trânsito, jornais, embalagens de produtos e onde mais for possível. A maioria só pode ser lida quando a tecla "pause" é acionada.

10>>>Piadas sobre a orientação sexual dos personagens concentram-se basicamente em cima de Waylon Smithers. Entre outras coisas, ele já foi visto comprando estrogênio. Apaixonado platonicamente por seu patrão, sr. Burns, ele vive todos os dilemas típicos de um gay que não saiu do armário. Já Patty Bouvier, irmã de Marge, assumiu sua homossexualidade num episódio de 2005.

11>>>Os personagens da série já viraram todo tipo de coisa: jogos de tabuleiro, videogames, revistas em quadrinhos, produtos alimentícios etc. No campo musical - o mais rico, graças às participações de artistas nas histórias -, a discografia da família inclui discos antológicos como "The Simpsons Sing the Blues" e "Songs in the Key of Springfield". O single mais popular até hoje é "Do the Bartman", especialmente composto por Michael Jackson para o eterno pré-adolescente.

12>>>Os membros do clã Simpson não são as únicas estrelas do programa. Eis as peculiaridades de quatro personagens brilhantes:
>> Nascido em 1889 (!!), Montgomery Burns é o vilão mais amado da TV. E não se fala mais nisso.
>> Imagine um veterano do Vietnã como diretor de sua escola. Ele é Seymour Skinner.
>> Apesar de suas escorregadas, Ned Flanders, vizinho de Homer, é o típico evangélico do bem.
>> Moe Szyslak é o dono do bar mais decadente do mundo. Quem não queria tomar uma por lá?

13>>>Além de ser uma exímia saxofonista, baixista, guitarrista, pianista e vocalista, Lisa Simpson é a personagem com maior QI da série: exatos 159 pontos. Membro da Mensa Springfield, a pequena budista é o veículo preferido dos roteiristas quando é necessário tratar de filosofia, história e ciências em geral. Não por acaso, ela é a Simpson mais popular no Japão.

14>>>"Os Simpsons - O Filme" promete arrebentar. Numa jogada sensacional, algumas lojas da rede 7-Eleven nos EUA serão transformadas em unidades da Kwik-E-Mart, aquela dirigida pelo indiano Apu Nahasapeemapetilon na série. Alguns produtos sairão do mundo 2-D para a vida real.

***Matéria da Revista Galileu- por Hélio Gomes


quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Meu lado Mulherzinha


Muitas vezes me questionei por gostar tanto do meu lado "mulherzinha", principalmente depois que me mudei do interior para o Rio, passei a conviver com meninas e mulheres bem diferentes de mim e de tudo q eu tinha vivido ate então, a experiência foi muito proveitosa, fiz amizades incríveis, aprendi muita coisa nova, mas o que mais me marcou foi: eu podia entender o comportamento delas mas elas não entendiam muito bem o meu... O que posso chamar de meu comportamento é o fato de ser mulherzinha demais em alguns momentos...Gosto muito de fazer pequenos gestos de carinho, gosto de dar presentes, levar café na cama, produzir jantares com velas e um magnifico aparelho de jantar, gosto de cozinhar para os amigos e para meu amor, gosto de cuidar da ceia de natal, assistir desenhos, amo poesias e bilhetinhos...colocar sabonetes na roupa de cama, tomar cerveja em copos bonitos, beber vinho em taças, comprar flores, roupas de cama, panos de prato bordados, tenho coleção de canecas, copos e xícaras orientais...e sou vaidosa , gosto de cuidar de mim, (mas isso todas nós mulheres somos, com nossos 112 cheiros gostosos pelo corpo rsrsrsr)...Então, é tão diferente assim nos dias de hoje, gostar de cuidar de vc e dos que lhe são mais queridos enquanto vc trabalha, estuda, procura saber se o chassi do carro foi adulterado, faz ligações pro contador enquanto tenta ler de Sartre a Vogue, ajuda os amigos, liga pra família, faz de tudo pra ter uma bunda dura e depois vai ler o jornal ? Me digam, quem não está cansada de fazer o papel de homem tantas vezes ao dia em cima do salto 15? Não ligo, podem me chamar de Amélia, de ultrapassada ou ate mesmo infantil, mas preservo meu lado mulherzinha com muito prazer, afinal essa questão ying/yang na sociedade e dentro de nós, ainda está muito mal resolvida, vc ñ precisa abrir mão ou ter vergonha de quem vc é pra parecer mais moderna ou madura... o interessante é ser vc e sendo mulher...vc sempre vai dar um jeitinho de fazer de tudo um pouco...mesmo usando meia sete oitavos em cima do seu salto 15

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"...O que as revistas femininas deveriam receitar é: não acredite em tudo o
que ouve. Nem em tudo o que diz. Suspenda a descrença quando quiser
prazer. Não subestime os outros, nem os idolatre demais. Seja educada,
mas não certinha. Faça coisas que nunca imaginou antes. Não minta, nem
conte toda a verdade. Dance sozinha quando ninguém estiver olhando.
Divirta-se enquanto seu lobo não vem."

MARTHA MEDEIROS - Abril de 1998

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Não somos santas

Texto de LYA LUFT

No começo diziam que eu escrevia mais para mulheres (o que é bobagem), e que minhas personagens femininas são mais fortes do que os homens (idem).
Rótulos são imprecisos e empobrecedores, mas o que se há de fazer.
Depois de O rio do meio, de 1976, passaram a dizer que eu defendia demais os homens. Devo ter do masculino uma visão mais positiva do que, parece, boa parte das mulheres.
Tive um pai amigo que desde criança me ensinou a cuidar da minha dignidade, e dois companheiros que me respeitaram como ser humano, empurrando-me para a frente e para cima.
No Rio, escrevi entre outras coisas que também os homens sofrem de solidão – na medida da solidão (ou da infantilidade) de suas mulheres –, que também querem ser amados, ouvidos, olhados, não só criticados e cobrados. Em palestras afirmo (para horror de muitas) que nós mulheres também sabemos ser muito chatas. Insatisfeitas, cobradoras, ásperas ou lamuriosas, frívolas e agitadas, chantagistas: nem sempre companheiras, poucas vezes cúmplices.
Está certo que andamos sobrecarregadas nesses tempos modernos, vacilando entre competência e beleza, correndo entre filhos e patrão, cartão de crédito ou momentinho de ócio escutando aquela música ou vendo aquele vídeo no sofá da sala em plena tarde. Sem que ninguém nos chame com voz grossa e fatigada, ô, mãããe . Sem o fantasma de tias ou avós, mão na cintura na soleira da porta da nossa culpa ancestral, criticando: “Mas como! A essa hora, aí atirada sem fazer nada?”
Mas repito que sabemos ser chatas, implicantes, indiscretas e críticas. E deixamos sozinho o nosso homem, que bem ou mal é o que está do nosso lado. Pois se for ruim demais, por que ainda estamos com ele? Não são só as mulheres que precisam falar e ser ouvidas: na sua linguagem e no seu ritmo, que não são os nossos, se pudessem abrir o coração (o que raramente fazem) muitos homens se queixariam de que ninguém os escuta em casa. A mulher grudada nos filhos ou na televisão, no telefone com a amiga; os filhos na rua, ou fechados no quarto; e com os amigos do bar ou do escritório, os homens falam de futebol, mulher, carro... raramente de si mesmos e de sua humanidade.
De modo que, sim, eu acho que não somos santas nem temos obrigação de ser, mas bem que aqui e ali valeria a pena olhar dentro de si, e ao lado, onde está aquele com quem afinal partilhamos a vida. Temos escutado o que ele diz ou o que nos diz o seu silêncio? Temos ainda lembrado de agradar, elogiar, sorrir, fazer carinho, ou estamos demais ocupadas?
Ainda pensamos nele, nas suas necessidades, emoções, desejos e fraquezas, como quando éramos namorados – ou estamos enroladas com as amigas, o bingo, o carteado, o escritório, o mais recente mexerico sobre artistas de televisão ou sobre a vizinha?
E se ele um dia, depois de dez anos ou mais de casamento acabado, há muito transformado em amizade, nos pedir sua liberdade, se quiser nos dar a dádiva melhor, da sinceridade, da lealdade verdadeira? Se nos propusesse: “Vamos aceitar que somos bons amigos mas viver separados” – a gente ia encarar com dignidade e afeto... ou recorrer à baixaria, cobrar, constranger, chantagear?
Não sei. Receio que responder seja tão duro quanto perguntar. Não acho que a gente deva ser boazinha, gueixa submissa ou serviçal ressentida. Nem a eterna vítima, a castradora disfarçada de mártir.
Importante seria não deixar que a poeira da banalidade abafasse o que havia entre a gente de encantamento e magia, ainda que o namorado agora seja um marido mais barrigudo, e menos cabeludo, que chega em casa cansado demais pra reparar no quanto estamos bonitas ou exaustas.
O bom seria que continuássemos amantes, sendo também amigos. Pois amor é amizade com sensualidade: se não gosto do outro com seus defeitos e qualidades, manias e até pequenas loucuras, como foi que o escolhi para viver comigo numa casa, na mesma mesa, cama e talvez todo o tempo de minha existência? E se isso se desgastou, por que não permito, a ele e a mim, mudarmos o nosso contrato de amantes para amigos e cúmplices ainda?
Embora gostemos de nos apresentar como incompreendidas ou mal tratadas, merecedoras de todas as compensações imagináveis, é bom ponderar que a mulher-vítima e a mãe-mártir inspiram culpa e aflição, e perturbam toda uma família.
Resta saber o que fizemos com aquela relação, com nossa própria vida, auto-estima e dignidade, e como temos afinal lidado com esse homem que um dia foi o objeto máximo de nosso desejo e sonho.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

APRENDENDO A DESAPRENDER



Passamos a vida inteira ouvindo os sábios conselhos dos outros. Tens que aprender a ser mais flexível, tens que aprender a ser menos dramática, tens que aprender a ser mais discreta, tens que aprender... praticamente tudo.
Mesmo as coisas que a gente já sabe fazer, é preciso aprender a fazê-las melhor, mais rápido, mais vezes. Vida é constante aprendizado. A gente lê, a gente conversa, a gente faz terapia, a gente se puxa pra tirar nota dez no quesito "sabe-tudo". Pois é. E o que a gente faz com aquilo que a gente pensava que sabia?
As crianças têm facilidade para aprender porque estão com a cabeça virgem de informações, há muito espaço para ser preenchido, muitos dados a serem assimilados sem a necessidade de cruzá-los: tudo é bem-vindo na infância. Mas nós já temos arquivos demais no nosso winchester cerebral. Para aprender coisas novas, é preciso antes deletar arquivos antigos. E isso não se faz com o simples apertar de uma tecla. Antes de aprender, é preciso dominar a arte de desaprender.
Desaprender a ser tão sensível, para conseguir vencer mais facilmente as barreiras que encontramos no caminho. Desaprender a ser tão exigente consigo mesmo, para poder se divertir com os próprios erros. Desaprender a ser tão coerente, pois a vida é incoerente por natureza e a gente precisa saber lidar com o inusitado. Desaprender a esperar que os outros leiam nosso pensamento: em vez de acreditar em telepatia, é melhor acreditar no poder da nossa voz. Desaprender a autocomiseração: enquanto perdemos tempo tendo pena da gente mesmo, os demais seguiram em frente.
A solução é voltar ao marco zero. Desaprender para aprender. Deletar para escrever em cima.
Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar.

Martha Medeiros


P.S: É complicado, por mais que vc saiba o que é certo, chega um dia em que vc descobre que o certo nem sempre é o melhor a ser feito, e seu mundo pode desmoronar ou vc pode desaprender... e mesmo que vc vá contra tudo e todos, vc ñ tem outra escolha, tudo te leva a se arriscar, se entregar...então quem foi que definiu as regras desse jogo doido? Quem pode dizer o que é certo ou não? Viver é se arriscar a todo instante, vida ao vivo é assim, vc paga pra ver...machucar pessoas às vezes é pior do que machucar a si mesmo, doi tanto ou mais, mas pior é vc machucar a quem ama...isso ...ai isso não da pra fazer...então me desculpem, mas sempre vou escolher fazer feliz aos que amo...tem coisa melhor que ver aquele sorriso? Se tiver que abrir mão de tudo mais...de tudo, p ver esse mesmo sorriso, também consigo...
Sabemos as regras, lemos revistas, livros, escutamos os amigos, os terapeutas, mas tem coisas que só o tempo vai fazer passar ( e isso com muita esperança de que seja assim para algumas pessoas, pq somos todos bem diferentes, isso merece respeito) ...Ainda bem que tenho uma vozinha interior que me ajuda, e isso eu já aprendi... que tudo sempre passa, a lembrança fica eterna, mas apenas ela...em dois anos, mudei tanto, aprendendo e desaprendendo que hoje jamais seria capaz de voltar a ser como antes...de resto, no decorrer dessa minha vida... aprendi a perder e a ganhar com a mesma resignação.... já sofri intensamente, dores minhas ...dores que tomei como minhas... e já ganhei, ganhei tesourinhos eternos...e assim gira a roda....acredito que tudo tem seu tempo certo e seu motivo definido pra acontecer... cabe apenas a nós mesmos dificultar ou facilitar...