quarta-feira, 2 de abril de 2008

Há um Darth Vader dentro de você?



Pablo Nogueira

Revista Galileu





Fábrica de Quadrinhos


A traumática experiência do Holocausto foi um estímulo poderoso para as pesquisas sobre o lado destrutivo do ser humano. Terminada a guerra, muitos dos carrascos nazistas se justificaram dizendo que estavam cumprindo ordens, e que se desobedecessem teriam sido mortos.

Nos anos 1960 o psicólogo americano Stanley Milgram se perguntou se cidadãos comuns, instigados por alguma forma de autoridade, também teriam a capacidade de infligir dor e sofrimento a pessoas que nunca lhes fizeram mal. Para avaliar a possibilidade, criou em 1961 um experimento onde uma cobaia recebia ordens para dar choques elétricos cada vez maiores numa falsa vítima, sendo que a intensidade do choque mais forte seria teoricamente capaz de matar (veja descrição na página anterior). Milgram pediu a 40 colegas psiquiatras que estimassem o porcentual de indivíduos que chegaria a aplicar choques potencialmente fatais. Os psiquiatras apostaram que menos de 1% seria capaz de agir de forma tão sádica. Mas os resultados iniciais mostraram que 65% das cobaias obedeciam até o fim.

Outro experimento famoso foi feito também nos Estados Unidos em 1971. O psicólogo Philip Zimbardo recriou o ambiente de uma prisão no seu laboratório de psicologia, e designou 24 jovens escolhidos aleatoriamente para conviverem lá por duas semanas como guardas e prisioneiros. O resultado foi uma explosão de opressão que levou o experimento, previsto para durar 15 dias, a ser interrompido no sexto.

O mal e Abu Graib
O que experimentos como esses nos ensinaram? Arthur Miller, psicólogo da Universidade Miami e organizador do livro "The Social Psychology of Good and Evil" (A Psicologia Social do Bem e do Mal) explica que a visão dominante na psicologia social leva em conta os contextos sociais. Existe uma minoria de indivíduos psicopatas, destrutivos no mais alto grau e cujo comportamento não revela empatia ou compaixão. Mas as pessoas chamadas normais podem causar (e causam) grandes danos, influenciadas por outras pessoas e por certas circunstâncias. "Um exemplo clássico é o da Alemanha antes do nazismo, que convivia com desemprego, pobreza e devastação. Mas há vários casos onde pessoas procuram sair de situações difíceis em suas vidas retaliando, mentindo, arranjando bodes expiatórios", compara.

Dois fatores reforçam a força das circunstâncias. O primeiro é a visão de que a vítima pertence a um grupo diferente. "Quase todas as formas de preconceito e hostilidade vêm daí", diz Miller. O segundo é a hierarquia. "As pessoas na posição mais baixa percebem violações éticas no seu ambiente de trabalho, mas temem ser punidas se denunciarem o que vêem. A tendência é imitar seus pares e obedecer às autoridades, e com o tempo seu comportamento pode se tornar danoso ou corrupto."

Ele ressalta que essa visão é importante porque muitas vezes as autoridades preferem apontar culpados a realizar mudanças estruturais. "Quando se denunciou a tortura na prisão de Abu Graib, no Iraque, os políticos disseram que o problema se limitava a alguns guardas. Mas Zimbardo veio a público lembrar que algo sistêmico nas prisões faz com que até os bons guardas ajam como sádicos", analisa

Para o psicólogo David Buss, a chave está na teoria da evolução. A fim de sobreviver e se reproduzir, o Homo sapiens criou duas estratégias. Uma é aperfeiçoar as habilidades que garantem mais acesso a recursos (tornar-se mais forte, mais atraente etc.). A outra é diminuir as chances de sobrevivência e reprodução dos seus rivais, o que Buss chama de "impor custos adaptativos". Essa segunda estratégia explicaria os comportamentos de maus. Por exemplo, denegrir a reputação de alguém teria o efeito de reduzir o acesso da vítima às benesses de um status social alto.

Dentre os atos que impõem custos adaptativos elevados, o assassinato seria o mais custoso de todos. Este aliás é o tema do novo livro de Buss, intitulado "Por que a Mente É Projetada para Matar". "A capacidade de matar é parte da natureza humana, e todos têm o potencial para agir assim em certas circunstâncias", disse Buss a Galileu. "Mas enquanto algumas pessoas a consideram uma medida extrema, outras a usam para subir na hierarquia, adquirir recursos e acesso a mulheres de alto valor reprodutivo", diz. "É abominável, mas funciona".

Gente diferente
Já o psiquiatra americano Michael Stone se tornou reconhecido por estudar as biografias de 498 pessoas realmente más, de Hitler, Pol Pot e Stalin a Charles Manson e Andrei Chikatilo, famoso serial killer canibal. Stone criou uma pioneira escala de maldade, com 22 itens onde agrupava alguns dos malfeitores. "No caso dos tiranos, a maior parte foi espancada e negligenciada em casa. O mal que fizeram foi uma vingança à crueldade a que foram expostos."

Mas há outras causas. "O ambiente não explica tudo. O irmão de Hitler também era espancado, mas nunca cometeu um crime", conta Stone. "Muitos serial killers vêm de famílias normais. São raros, mas existem", diz. O médico Renato Zamora, do Laboratório de Genética do Comportamento da UFRGS, estuda a biologia de pessoas muito violentas. "O cérebro delas funciona de forma diferente", diz. Zamora cita como evidência um estudo que fez com dez psicopatas, a quem submeteu a testes de teoria da mente para avaliar o funcionamento do lóbulo frontal. A pontuação dos psicopatas se revelou tão baixa quanto a das pessoas com lesão cerebral na área. "O psicopata é um caso de lesão cerebral sem dano orgânico. Algo semelhante acontece nos casos de depressão ou esquizofrenia. Essa transformação 'desligou' neles a capacidade de sentir compaixão."

A maldade e a arte
Como entender o fascínio da história de Anakyn/Darth Vader? Para o diretor teatral e psicólogo social carioca Bernardo Jablonski, a chave está em nossos conflitos pessoais. "A arte é um espelho mágico que reflete o mundo e propõe soluções", explica. No caso da série "Guerra nas Estrelas", é possível encontrar elementos muito fortes na psique humana, como as relações de poder, o relacionamento entre pai e filho e a luta entre o bem e o mal. "Histórias assim são projeções de desejos muito profundos. Na visão contemporânea da psicologia social, somos tanto bons como maus. Sou capaz de ajudar uma velhinha a atravessar a rua, mas se alguém molestar meu filho, eu mato. Sem querer diminuir as religiões, Deus e o diabo somos nós." A dualidade dos jedis é também a nossa.

Ser ou não ser
A falta de compaixão pode ser encontrada em outros lugares. "Há 20 traços característicos de psicopatas", explica o psiquiatra forense americano Michael Welner. "Muitos, como narcisismo forte e pouca compaixão, estão presentes em altos executivos e pessoas bem-sucedidas." Ele acrescenta que os bons executivos também possuem qualidades criativas e inspiradoras, ou não teriam sucesso. "Mas é preocupante ver que quando uma pessoa bem-sucedida assume que pratica atos maus, o público parece relevar." Calejado pelos anos vendo casos horrorosos em tribunais, Welner crê que "qualquer um é capaz de fazer coisas más", e atualmente coordena uma pesquisa online para criar uma escala de maldade que sirva como parâmetro em julgamentos. "Isso pode ajudar a sociedade a ser menos condescendente, e parar de enxergar criminosos como popstars."

Para o filósofo Denis Rosenfield, autor de "Retratos do Mal", a origem dos atos destrutivos não seria o ambiente, a história de vida ou a biologia, mas a consciência. "Dizer que o mal é uma doença é uma recusa a pensar", diz. "O ser humano sempre pode dizer não a certas ações e sim a outras, mesmo que tenha um lado corrupto dentro dele. O mal é uma questão de escolha."É possível que seja. Afinal, até Darth Vader deixou de ser mau um dia.

Para ler
• "The Psychology of Good and Evil", Arthur G. Miller (org.). Guilford Press. 2004
• "The Murderer Next Door: Why the mind is designed to kill", David Buss. Penguin. 2005