terça-feira, 29 de abril de 2008

O legado de Lemann

Leia nesta página um trecho da reportagem de capa de Época NEGÓCIOS. O texto integral pode ser lido na edição de abril de 2008.

O que você pode e deve aprender com Jorge Paulo Lemann, fundador do Banco Garantia, e seus inseparáveis parceiros, Beto Sicupira e Marcel Telles. Juntos, eles ergueram um império de R$ 144 bilhões. Nesse processo, criaram uma cultura corporativa revolucionária

por Alexandre Teixeira, com Camila Hessel, colaborou Darcio Oliveira - REVISTA ÉPOCA NEGÓCIOS

EMPREENDEDOR Jorge Paulo Lemann em foto de 2005. O fundador do Garantia criou modelo de gestão único baseado na meritocracia


No fim do período letivo de 1957, como era costume na Escola Americana do Rio de Janeiro, os alunos reuniram-se para escolher os destaques do ano. Sempre em inglês, elegeram o mais amigável, o mais artístico, o mais fofo e assim por diante. Na categoria "Mo st likely to succeed" (algo como "com mais chances de ser bem-sucedido"), dois nomes foram lembrados. Um deles, "Jorge Lemann". Retratado no álbum da classe com pinta, topete e terninho de galã, Jorge Paulo Lemann, aos 17 anos de idade, é descrito como um dos dois veteranos que estudaram desde o jardim-de-infância na Escola Americana. "Embora aparente nunca estudar, ele sempre consegue boletins invejáveis - principalmente 'As' com uma pitada de 'Bs'", diz o Livro do Ano. Bom aluno sem fazer força, o jovem Lemann arrancava suspiros das colegas. "Ao longo dos anos, Jorge trabalhou duro para adquirir sua reputação como um sedutor - a ladies' man -, e, como verdadeiro brasileiro, seus interesses (além de tênis e pesca com arpão) são ir à praia e observar as pessoas - garotas, isso sim." Lemann era conhecido na escola por viajar muito ao exterior e por seus planos de fazer faculdade nos Estados Unidos, de preferência em Harvard. No fim daquele ano, os estudantes prepararam também a "Profecia da Turma", na qual tentavam prever como estariam seus colegas dentro de dez anos. Nela, lê-se o seguinte: "Ganhando manchetes no mundo dos esportes está Jorge Paulo Lemann, que recentemente venceu o Campeonato Mundial de Tênis de 1967. Jorge, que administra uma importante cadeia de fábricas de enlatados no Brasil, é atualmente casado com a Miss Universo de 1967". Poucas vezes uma brincadeira de adolescentes revelou-se tão premonitória.

Lemann chegou ao topo do ranking mundial de tênis por três vezes - embora na categoria veteranos. Foi cinco vezes campeão brasileiro e defendeu tanto o Brasil como a Suíça na Copa Davis. Nem sequer namorou a Miss Universo de 1967 - a americana Sylvia Louise Hitchcock -, mas casou-se duas vezes, com mulheres bonitas e elegantes: a psicanalista Maria de Santiago Dantas Quental, morta em abril de 2005, e a educadora suíça naturalizada brasileira Susanna Lemann, dona da agência de viagens Matueté. Com cada uma delas, teve dois filhos homens e uma filha mulher. Ele tampouco é dono de uma fábrica de enlatados, a não ser que a definição da categoria seja ampla o bastante para abarcar os bilhões de latas de cerveja e refrigerante que saem anualmente das linhas de produção sob seu controle. Mas, depois de se formar economista em Harvard, conforme planejado, chegou a uma altura no mundo dos negócios que mesmo seus colegas de Escola Americana não imaginariam.

Ao lado de Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, seus parceiros de negócios há mais de três décadas, Lemann detém 25% do capital da maior cervejaria do mundo, a InBev; é dono da holding Lasa, que reúne Lojas Americanas e Blockbuster; do grupo B2W, onde estão agrupadas as lojas virtuais Submarino, Americanas.com, Ingresso.com e o canal de televendas Shoptime; e da São Carlos Empreendimentos Imobiliários. Os três estão entre os principais acionistas da maior empresa de transporte e logística da América do Sul, a ALL, e, desde dezembro, têm uma fatia de 8,3% do capital da CSX, uma das maiores ferrovias dos Estados Unidos. Somadas, essas participações valem R$ 46,35 bilhões, o equivalente, por exemplo, ao valor de mercado da Companhia Siderúrgica Nacional. Lemann é hoje, aos 68 anos, a quinta pessoa mais rica do Brasil e a 172ª do mundo. Ele aparece, ainda, na lista dos mais ricos da Suíça - onde reside desde 1999, num subúrbio exclusivo de Zurique -, pouco atrás da herdeira grega Athina Onassis.

A cultura forjada no Garantia nos anos 70 chegou ao varejo com a compra da Lojas Americanas, em 1982, e à indústria pela aquisição da Brahma, a partir de 1989

Mais importante do que seu império e sua fortuna, para ele e para aqueles que se interessam por questões de gestão e liderança, é seu legado para o meio empresarial brasileiro. A cultura forjada por Lemann no Banco Garantia, a partir de meados da década de 70, chegou ao varejo, por meio da Lojas Americanas, comprada em 1982; à indústria, pela aquisição da Brahma, em 1989; influenciou virtualmente todos os bancos de investimento brasileiros e espalhou-se pelas mais de 30 empresas compradas até hoje pela GP Investimentos, fundada por Lemann, Sicupira e Telles. Da Gafisa ao Ig, passando pela Telemar.

Mais do que isso, a "cultura Garantia", baseada numa rígida meritocracia de resultados, numa preocupação obsessiva com a formação de líderes dentro de casa e com a transformação de funcionários em sócios, tornou-se referência para companhias tão afastadas da área de influência do lendário banco como Suzano e Gerdau. "O Jorge Paulo não é só um dos melhores gestores de empresas do Brasil. É um dos melhores do mundo", diz o industrial Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do conselho da Gerdau. "A única escola de administração que surgiu no Brasil na minha geração foi a do Lemann, do Garantia", afirma Francisco Gros, ex-presidente do BNDES e atual CEO da OGX, a empresa de petróleo e gás de Eike Batista. Antonio Maciel Neto, presidente da Suzano, costuma tirar alguns dias por ano para freqüentar cursos intensivos de administração em Harvard. Em fevereiro, recém-chegado de uma dessas temporadas, deu o seguinte depoimento: "Estudamos 15 cases das mais bem-sucedidas empresas do mundo. Em todos os tópicos de gestão abordados, eu sempre me lembrava do Lemann. Ele já havia feito no Brasil tudo aquilo que a escola pregava como as mais eficazes técnicas de administração".