quinta-feira, 24 de julho de 2008

O budismo poderá desaparecer


Por Norimitsu Onishi, do The New York Times

Os japoneses há muito tempo têm uma abordagem tolerante em relação à religião, celebrando o fim do ano antigo nos templos budistas e dando boas-vindas ao ano novo, algumas horas depois, em santuários xintoístas. Quando se fala em funerais, no entanto, os japoneses têm sido tradicionalmente budistas inflexíveis – tanto que o budismo no Japão é muitas vezes chamado de “budismo de funeral”, uma referência ao antigo quase-monopólio da religião com relação a cerimônias elaboradas e lucrativas envolvendo mortes e ritos fúnebres.

Mas essa expressão também descreve uma religião que, ao parecer atender mais as necessidades dos mortos do que dos vivos, está perdendo seu posto na sociedade japonesa. “Essa é a imagem do budista de funeral: que ele não atende as necessidades espirituais das pessoas”, disse Ryoko Mori, principal sacerdote do Templo Zuikoji, de 700 anos, no norte do Japão. “No islã ou no cristianismo, eles fazem sermões sobre temas espirituais. Mas no Japão de hoje, pouquíssimos sacerdotes budistas fazem isso”.

Mori, de 48 anos, 21º sacerdote-líder do templo, tinhas dúvidas de que o templo sobreviveria até a chegada do 22º. “Se o budismo japonês não agir agora, irá desaparecer”, disse. “Não podemos esperar. Temos que fazer algo”. Em todo o Japão, o budismo enfrenta uma confluência de problemas, alguns comuns a religiões em outras nações desenvolvidas, outras particulares à fé daqui. A ausência de sucessores para sacerdotes-líderes está pondo em risco templos administrados por famílias em todo o país.

Ao mesmo tempo em que o budismo está em declínio em áreas urbanas, as fortalezas religiosas rurais estão sendo esvaziadas, com devotos mais velhos morrendo e taxas de natalidade baixas. Talvez o fator mais significativo seja que o budismo está perdendo o controle sobre a indústria funerária, à medida que mais e mais japoneses estão recorrendo a casas funerárias ou optando por não realizar funeral nenhum. A expectativa é que muitos templos no interior do país irão fechar nos próximos anos, levando com eles séculos de história local e contribuindo para a reviravolta demográfica que está a caminho no Japão rural.

Em Oga, em uma península de mesmo nome que olha para o Mar do Japão na Província de Akita, sacerdotes budistas estão observando o declínio da população e da indústria de pesca local. “Não é exagero dizer que a população caiu para cerca da metade do nível que atingiu durante o pico e que todos os negócios também foram reduzidos pela metade”, disse Giju Sakamoto, 74 anos, o 91º sacerdote-líder do templo mais antigo de Akita, Chorakuji, fundado ao redor do ano de 860. “Diante dessa realidade, simplesmente insistir que somos uma religião e que temos uma longa história – a mais longa de Akita, na verdade – soa como um conto de fadas. Não tem importância nenhuma. É por isso acredito não haver esperanças para este lugar”, disse Sakamoto em seu templo, situado no alto de um cabo com vista para uma vila a beira-mar.

Para sobreviver, Sakamoto concentrou suas energias em gerenciar uma casa de repouso e um novo templo em um subúrbio em crescimento da Cidade de Akita. Esse templo, no entanto, atraiu somente 60 famílias como membros desde sua abertura há alguns anos, muito menos que as 300 consideradas necessárias para um templo ser financeiramente viável. Durante séculos, o templo budista típico, cuja direção era passada de pai para filho, servia a um quadro de membros, raramente, ou quase nunca, tentando convertê-lo. Com algumas 300 famílias para servir, o sacerdote-líder do templo e sua esposa ficavam bastante ocupados.

Não só o número de templos no Japão tem caído – de 86.586 em 2000 para 85.994 em 2006, segundo a Agência Japonesa para Questões Culturais – mas o número de membros também caiu em muitos templos. “Tivemos que procurar outros trabalhos porque somente o templo já não era suficiente”, disse Kyo Kon, 73 anos, esposa do sacerdote-líder do Kogakuin, um templo daqui com 170 membros. Ela trabalhava em uma creche enquanto seu marido era empregado de um escritório local de planejamento territorial.

Não muito longe, em Soshoji, um templo cujos membros caíram para 85 idosos, o sacerdote-líder, Jokan Takahashi, 59 anos, enfrentava um problema comum à maioria dos negócios familiares no Japão: o de encontrar um sucessor. Seu filho mais velho tinha participado do treinamento para se tornar sacerdote budista, mas Takahashi tinha dúvidas quanto a pedir que ele assumisse o posto.

“Meu filho cresceu sem saber nada mais além do mundo do templo, e ele me disse que não se sentia livre”, contou, explicando que seu filho, agora com 28 anos, trabalhava em uma empresa em uma cidade próxima. “Ele me pediu para ficar livre enquanto eu estivesse trabalhando, e disse que voltaria para assumir o posto quando completasse 35 anos. Mas, considerando o futuro, pressionar uma pessoa jovem a assumir um templo dessa forma pode ser cruel”, disse Takahashi, depois de proporcionar a visitantes um passeio pelo cômodo mais importante do seu templo, uma câmara interna com arcas de madeira, lembrando armários, onde, segundo ele, os espíritos dos ancestrais dos membros do templo estão guardados.

Em uma manhã recente, Mori, o sacerdote do templo de 700 anos, começou o dia com uma visita à casa de uma família produtora de arroz, marcando o 33º aniversário da morte de um avô. Inclinando-se diante do altar da casa, Mori rezou e entoou provérbios. Mais tarde, repetiu os rituais na casa de outra família, que comemorava o 17º aniversário da morte de um avô. Cada vez mais, muitos japoneses, especialmente os de áreas urbanas, evitam essas tradições. Muitos nem pertencem mais a templos e em vez disso recorrem a casas funerárias quando seus parentes morrem. As casas fornecem sacerdotes budistas para as cerimônias funerárias.

Além disso, um número crescente de japoneses vem optando por cremar seus entes queridos sem nenhum funeral, disse Noriyuki Ueda, antropólogo do Instituto de Tecnologia de Tóquio e especialista em budismo. “Por causa disso, sacerdotes budistas e templos não vão mais estar envolvidos em funerais”, disse Ueda. Ele disse que o budismo japonês foi subvertido do seu lado espiritual em grande parte porque se comprometeu durante a Segunda Guerra através de seus fortes laços com as forças armadas do Japão. Depois que sacerdotes budistas glorificaram soldados mortos e deram a eles nomes póstumos budistas especiais, falar de pacifismo perdeu o sentido.

Mori, o sacerdote daqui, contou que depois da Guerra houve um desejo por funerais cada vez mais luxuosos com nomes budistas prestigiosos. Esses nomes – com os maiores níveis tradicionalmente dados àqueles que levaram vidas honrosas – são comprados hoje rotineiramente, sem importar a conduta do morto durante a vida.

“Os soldados, que deram a vida pelo país, receberam nomes póstumos budistas especiais, então depois disso todo mundo queria ter um, e os preços aumentaram drasticamente”, disse Mori. “Todos estavam enriquecendo, então todos queriam ter um. Mas isso nos trouxe uma imagem ruim”, ele disse, acrescentando que o preço do melhor nome em Akita custa cerca de 3 mil dólares – apesar de esse ser um preço muito abaixo do que é praticado em Tóquio.

De fato, essa imagem é reforçada pela forma como negócios e cerimônias funerárias são conduzidas. As taxas não são declaradas e ficam ao critério da família, e os parentes geralmente sentem uma pressão implícita para serem bastante generosos. O dinheiro é entregue em envelopes, e não se emitem recibos. Os templos, com seu status de organizações religiosas, não pagam impostos.

Foi em parte para dissipar essa imagem ruim que Kazuma Hayashi, 41 anos, sacerdote budista que não tem o próprio templo, disse ter fundado uma empresa, Obohsan.com (obohsan significa sacerdote), há três anos, em um subúrbio de Tóquio. A empresa envia sacerdotes budistas autônomos para funerais ou outras cerimônias, eliminando casas funerárias ou outros atravessadores. Os preços, que são pelo menos um terço mais baixos do que a média, são listados claramente no site da empresa. Há um desconto de 10% para membros. “Até damos recibo”, disse Hayashi.

Hayashi argumentou que em vez de separar ainda mais o budismo japonês de suas raízes espirituais, seu negócio atraiu mais pessoas com seus preços menores. Os nomes póstumos mais bem-valorizados saem por cerca de US$ 1.500 – uma pechincha. “Sei que, originalmente, o budismo não se trata disso”, disse Hayashi, com relação aos nomes de prestígio. “Mas é uma marca que nossos clientes escolhem. Alguns realmente querem, e isso significa que se existe um forte desejo dentro dele, temos que atendê-lo”. Depois de se desculpar por desviar dos ideais budistas, Hayashi contou que oferece a seus clientes o nome mais valioso, mas com cuidado: “Em resumo, essa é a diferença entre ir a uma loja local e comprar uma bolsa da Gucci”.