sexta-feira, 28 de novembro de 2008


...Tenho que escolher o que detesto – ou o sonho, que a minha inteligência odeia, ou a ação, que a minha
sensibilidade repugna; ou a ação, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.
Resulta que, como detesto ambos, não escolho nenhum; mas, como hei de, em certa ocasião, ou sonhar
ou agir, misturo uma coisa com outra.
...Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo
mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me
interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre...
...

Mas dói-me, por exemplo, não me poder sonhar dois reis em reinos diversos, pertencentes, por exemplo, a universos com diversas espécies de espaços e de tempos. Não conseguir isso magoa-me verdadeiramente.

Fernando Pessoa in Livro do Desassossego, através de Bernardo Soares