sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Por que ainda somos tão românticas?

Texto: Cacilda Guerra
Revista Bons Fluidos

Era uma vez um jovem de um vilarejo inglês que partiu para uma viagem cheia de perigos rumo a um reino habitado por bruxas, fadas, magos, duendes e unicórnios. O motivo: buscar uma estrela cadente para presentear a mulher amada. O enredo faz parte do universo dos contos de fadas, só que em versão para adultos. Trata-se de Stardust ­ publicado em 2001 pela ed. Conrad e escrito por Neil Gaiman, o queridinho do mundo dos quadrinhos. Agora, ele vai para o cinema ­ de acordo com o site oficial, o filme estréia em 10 de agosto, com um elenco de grandes nomes: Michelle Pfeiffer, Robert de Niro e Claire Danes.
Em meados dos anos 1980, o roteirista Neil Gaiman lançou seu primeiro livro de quadrinhos pelo selo Vertigo, da americana DC Comics. A idéia era agradar ao público já crescido, uma vez que a DC faz gibis de super-heróis. Deu certo, e exatamente porque Gaiman fisgou o leitor com suas histórias, que permeiam os contos de fadas, os sonhos e a magia, e agradou em cheio às mulheres, que têm se tornado, nos últimos anos, leitoras vorazes desse tipo de literatura. Como isso foi possível? Em Stardust, por exemplo, Gaiman explora com sensibilidade temas que, desde sempre, atraem o universo feminino: o romantismo, o príncipe encantado, a promessa de um grande amor.
Em meio à conquista da mulher no mercado de trabalho, na política e áreas afins, fica difícil não questionar: por que, afinal, continuamos tão românticas?

ENREDO MELOSO
Atire o primeiro saquinho de pipoca quem, no escurinho do cinema, nunca se emocionou com uma história de amor bem contada. Do cult Casablanca ao recente Um Lugar na Platéia, passando por campeões de bilheteria, como Uma Linda Mulher e Quatro Casamentos e Um Funeral, os encontros e desencontros desses e outros enredos românticos nos tocam porque a vivência amorosa faz parte do repertório de experiências de pessoas de todas as épocas. Basta lembrar os inúmeros casais que povoam a imaginação desde tempos remotos: Ulisses e Penélope, Tristão e Isolda, Marco Antônio e Cleópatra, Abelardo e Heloísa, Romeu e Julieta, Cinderela e o Príncipe, Spencer Tracy e Katherine Hepburn... “Não importa se são pessoas reais ou fictícias, figuras históricas ou míticas. Suas paixões, êxtases, fidelidade ou traição, dores e despedidas, a história, enfim, desses amores exerce um profundo fascínio sobre todos nós”, escreve a psicóloga Noely Montes Moraes em seu livro Fica Comigo para o Café da Manhã (ed. Olho d’Água).
Embora o amor seja um fenômeno universal, Noely explica que ele adquire formas de expressão condicionadas pela cultura. Algumas, como filmes e músicas, têm uma influência limitada ao período de seu surgimento, enquanto os mitos e os contos de fadas, por abordarem aspectos perenes, ultrapassam a época e as fronteiras geográficas, inspirando o imaginário e o comportamento de inúmeras gerações.
ULTRA-ROMÂNTICOS
Herdamos um jeito de encarar o amor que, embora já aparecesse em algumas obras literárias de períodos anteriores, reinou com força total entre o século 18 e o 19, com o romantismo. Esse movimento estético criou um modelo de arte e estilo de vida cujas características principais eram a idealização da realidade, a tendência ao sonho e o predomínio do sentimento sobre a razão. O amor era sublime e rimava com dor, renúncia e, às vezes, até com morte. E, quando dava certo, era um passaporte para a felicidade, ainda que conquistado apenas depois de muito sacrifício.
Só que, nos contos e romances com final feliz, não aparece um detalhe fundamental: a vida continua depois do The End. Não existe o “foram felizes para sempre” como uma meta a ser alcançada e pronto, sem que seja preciso cultivar a relação no cotidiano. Além do mais, nem sempre o amor transcorre como pensávamos. Com o passar do tempo, as pessoas mudam, assim como as circunstâncias que envolvem a convivência a dois. Não é difícil supor, por exemplo, que Romeu e Julieta, se não tivessem tido um fim trágico, provavelmente viveriam às turras, um criticando a família do outro o tempo todo.
Contudo, por acreditar que a vida real deve seguir o mesmo roteiro da ficção, muitas mulheres criam expectativas exageradas sobre a realização afetiva, reunidas num pacote que inclui não só o amor eterno como também o parceiro ideal e o relacionamento perfeito. “Crescemos iludidas por esses contos e histórias, e precisamos nos desiludir, lidar com nossas questões amorosas no mundo real, não num mundo idealizado”, aconselha a psicóloga Lúcia Rosenberg. O que não significa, em absoluto, levantar e defender a bandeira do anti-romantismo, sufocar todo e qualquer sonho e abrir mão da capacidade de se deixar encantar.
MENOS AÇÚCAR, MAIS AFETO
Haveria, então, uma alternativa ao “romantismo água com açúcar”? A resposta é sim: um romantismo maduro, baseado na realidade da vida, e não em fantasias e desejos impossíveis de concretizar. Viver isso é cuidar de quem se ama, ter prazer em descobrir como o parceiro é e se permitir ser descoberta por ele, revelar-se (em vez de esperar que ele adivinhe) e permitir que ele se revele. É um encontro que se caracteriza pela maleabilidade, pela aceitação do outro, pela flexibilidade em saber fazer concessões.
Praticar esse romantismo maduro garante que a relação seja mais duradoura? Isso é um mistério. Que ajuda, não há dúvida, como exemplifica a psicóloga Lúcia: “Em geral, a primeira coisa de que as pessoas esquecem, depois de conquistar o parceiro e começar uma convivência mais íntima, é usar o ‘por favor’ e o ‘muito obrigado’, como se essas delicadezas não fossem mais necessárias. O romântico maduro faz diferente: se preocupa em demonstrar gentileza, em se cuidar para o outro. Com isso, a chama do amor tem boas chances de se manter acesa por anos”.
No entanto, pode acontecer de o casal estar atento a esses pequenos cuidados mútuos e, ainda assim, a relação chegar ao fim ­ e não necessariamente porque surgiu uma terceira pessoa. É que existe outra realidade que o romantismo água com açúcar, traiçoeiro como é, não nos ensinou a aceitar: como tudo que é vivo, o amor também morre. Mas ninguém precisa morrer junto com ele. É por isso que a gente parte para outras. Afinal, amar é bom e, pensando bem, por que não viver vários amores sucessivos, em vez de apostar apenas em um único, eleito como “o verdadeiro”? Para o romântico maduro, todos os amores, independentemente da duração, são sempre verdadeiros.

Amor é pensamento, teorema
Amor é novela
Sexo é cinema
Amor e Sexo, Rita Lee